Longa tramitação para criar o novo sistema de previdência complementar

Quatro anos depois de ter sido encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional e ainda cercado por polêmicas, o projeto que prevê a criação de um fundo de previdência complementar para os funcionários públicos federais finalmente começa a avançar. Esse novo tipo de fundo de pensão foi o tema do 2º Painel do seminário “Fundos de Pensão”, realizado pela Seminários Brasileiros (SB) no dia 26 de maio de 2011, em Brasília.

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados – a primeira das quatro comissões a que o projeto será submetido – conseguiu aprovar o parecer, mas ainda enfrente recursos de representantes de segmentos insatisfeitos com o rumo do projeto.
O deputado Silvio Costa (PTB-PE), presidente da Comissão, e um dos palestrantes do seminário, avocou para si a relatoria do projeto para buscar uma tramitação rápida. O projeto ainda terá que ser submetido à Comissão de Seguridade Social e Família, à Comissão de Finanças e Tributação e à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para depois seguir para o Senado.

Pela proposta – o projeto de lei tem o número 1992/2007 –, os servidores públicos passarão a ter direito a uma aposentadoria no mesmo patamar pago aos trabalhadores do setor privado. Os benefícios com valores maiores que o teto pago pelo INSS será bancado por um fundo de previdência com o formato de contribuição definida, cabendo ao servidor e ao patrocinador (instituição ou órgão ao qual o funcionário é ligado) contribuir com o mesmo valor.

A contribuição do patrocinador, porém, ficará limitada a 7,5%. Ou seja, o participante vai receber um benefício de acordo com os aportes que fizer em uma conta individual, somados aos do patrocinador e da rentabilidade obtida na aplicação dos recursos.

<b>Derrubando os obstáculos</b>
O governo preocupou-se, na apresentação do projeto, em derrubar um primeiro obstáculo à proposta. Garantiu que a mudança nas regras da previdência do setor público valerá apenas para os funcionários que ingressarem no serviço público a partir da criação do novo fundo, preservando-se assim os direitos adquiridos e a expectativa de direito de quem já entrou no sistema. Desta forma, os atuais funcionários não seriam afetados.

“Queremos que o projeto tenha o formato adequado”, afirma o secretário-executivo do Ministério da Previdência, Carlos Eduardo Gabas, outro palestrante do seminário, após ouvir uma série de críticas ao projeto. “O assunto é complexo”, arremata.

Gabas diz que o projeto que cria a previdência complementar para o funcionalismo público deve instituir um fundo único. “Pode até ter planos distintos para os três poderes, mas será um fundo único”, disse. Admite, porém, que “é preciso melhorar o projeto”. E reafirma que a proposta não prejudica os atuais servidores e funcionará como uma forma de aproximar os sistemas de previdência dos trabalhadores em empresas privadas e dos funcionários públicos.

O secretário-executivo do Ministério da Previdência também apresenta dados para afirmar que “não existe rombo da Previdência”. Ele diz que o atual déficit se deve a problemas passados, existentes antes de 1966, quando a Previdência foi unificada. Separando as contas, diz que a previdência social urbana teve um superávit de R$ 14,3 bilhões, ante um déficit registrado na previdência rural. Em relação aos funcionários públicos, diz que, com a criação do regime jurídico único, em 1990, houve a unificação de todo o funcionalismo. Com isso, ficaram sob o mesmo regime o pessoal que tinha contribuído com base nas regras do Regime Geral da Previdência Social e os estatutários, que não pagavam contribuição.

No caso da previdência do servidor público, o Regime de Próprio de Previdência Social (RPPS), Gabas explica que o déficit existe por ma série de distorções do passado. O funcionário público estatutário não contribuía para a previdência. Havia, por sua vez, os funcionários que eram contratados pelo regime celetista, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o mesmo utilizado para a contratação de trabalhadores do setor privado. Com a criação do Regime Jurídico Único, em 1990, todos os funcionários passaram a ser regidos pela mesma regra e, a partir de 1993, passaram a contribuir para a Previdência. Segundo Gabas, a contribuição de 11% sobre a remuneração integral dos funcionários públicos ativos e aposentados não tem sido suficiente para custear as aposentadorias do serviço público.

<b>Pontos polêmicos</b>
Há ainda, porém, diversos pontos polêmicos no projeto. Um deles, apontado pela presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), Cláudia Ricaldoni, outra palestrante do seminário, é o fato de o projeto ser baseado em contribuição definida. Essa regra foi definida na Emenda Constitucional 40, que determinou a mudança no regime previdenciário do servidor público.

Segundo ela, o projeto foi elaborado pelo governo a partir de uma visão financeira e fiscal com o objetivo apenas de desonerar o patrocinador. “É muito ruim. É pior que qualquer plano de previdência que tenhamos em nossas entidades”, afirma. Para ela, o fundo de previdência complementar dos funcionários públicos deveria prever contribuição variável.

Claudia Ricaldoni critica também o fato de o projeto não prever uma renda vitalícia. “Benefício de invalidez e morte tem que ser vitalício. Senão, não é previdência”, diz. Pelo projeto, o benefício é calculado a partir da reserva financeira feita pelo participante e pela patrocinadora.“Isso significa que a aposentadoria vai durar enquanto houver reserva. Se uma pessoa viver mais que a expectativa do plano, ela chegar ao final da vida sem dinheiro”.

Outro ponto polêmico do projeto refere-se à gestão do novo fundo. Pelo projeto, a administração dos recursos garantidores, provisões e fundos dos planos de benefícios deverá ser realizada mediante a contratação de instituições autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Será que no serviço público não há gente gabaritada para administrar esses ativos?”, questiona a presidente da Anapar.

O projeto do governo também não agrada a alguns setores do Judiciário. Um dos motivos para a resistência ao projeto é que os juízes e procuradores não querem ficar sujeitos ao teto de aposentadoria do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que é de R$ 3.698,66 até 31 de dezembro de 2011 (devendo então subir para R$ 3.881,89), e defendem um plano de previdência complementar exclusivo pra o Judiciário. Pelo projeto, haveria apenas um único fundo de previdência complementar para todo o serviço público, incluindo Legislativo, Executivo e Judiciário.

<b>Outras opiniões</b>
O diretor de Políticas e Diretrizes da Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC), Paulo Cesar dos Santos, também defende a da criação do sistema de previdência complementar para o funcionário público. Para ele, o projeto de lei em discussão no Congresso – que garante a aposentadoria ao funcionário até o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), e permitindo a complementação do benefício na previdência complementar – dará um tratamento isonômico a todos os trabalhadores no país. “Muitos alegam que o funcionário público passou pela angústia de ser aprovado em um concurso público para ingressar no serviço público. O sofrimento e a angústia de quem teve que enfrentar uma fila de emprego é tão grande ou maior que a de um concursado”, diz. Santos defende a ideia de criação de um único fundo de previdência complementar para todo o serviço público. Afirma ainda que o objetivo do governo ao propor a administração terceirizada para o fundo dos funcionários públicos foi evitar a ingerência política.

Durante o debate, ficaram patentes, porém, várias críticas ao projeto do governo. A presidente da Anapar, Cláudia Ricaldoni, e o advogado Adacir Reis, ex-secretário de Previdência Complementar, criticam a ideia de definir um único fundo para todo o funcionalismo público. “Como acomodar os diversos poderes na governança de uma entidade? Vejo dificuldades de trabalhar com diversas entidades de funcionários públicos” questiona Claudia. Adacir Reis considera importante a aprovação do projeto de lei 1992, mas critica também outra ideia incluída no projeto: a proposta de a gestão ser terceirizada. “Vejo dificuldades de se trabalhar com diversas entidades associativas dos servidores públicos”, diz.

Segundo o diretor da SPPC, o projeto prevê que o conselho deliberativo do novo fundo tenha apenas três representantes dos funcionários, sendo que existem pelo menos 52 entidades representativas de categorias distintas. Ele também questiona a proposta de o fundo ser formado a partir de uma contribuição definida, regra prevista na Emenda Constitucional nº 40, que prevê a criação da previdência complementar para o servidor público.

Outra crítica de Adacir Reis ao projeto 1992 refere-se à determinação para que o novo fundo seja uma entidade de natureza pública, sendo sujeita, portanto, às obrigatoriedades de licitação, contratação por concurso público e limitação de remuneração. “Os fundos são entidades privadas justamente para não se confundir com o estado”, destaca.

E Santos, da SPPC, questiona o fato de os funcionários públicos terem hoje um sistema diferente que garante a aposentadoria correspondente à remuneração. “Não vejo argumento plausível para isso. O funcionário fez concurso público mas a angústia e sofrimento de um trabalhador do setor privado na fila do emprego é tão grande quanto à do concursado”, diz.

A proposta de definir os benefícios por contribuição definida, determinada na emenda constitucional que estabelece o regime complementar de previdência para o serviço público, foi alvo de críticas. Adacir Reis sugere que esse ponto seja revisto. Cláudia Ricaldoni, ao ressaltar que o projeto foi definido a partir de uma visão financeira e não previdenciária, ataca: “Não é possível um participante deixar de receber benefício aos 90 anos porque sua reserva acabou”. Para ela, a proposta erra ao não permitir renda vitalícia. Os benefícios, em sua opinião, deveriam ser concedidos por tempo indeterminado.

<b>Entidade pública</b>
Foi apontada, durante o debate, a contradição na proposta que define o fundo dos funcionários públicos como de natureza pública. Segundo o advogado Adacir Reis, as entidades de previdência complementar são de natureza privada e não se confundem com o estado, uma vez que os recursos que administram pertencem aos participantes. Ao definir entidade pública, o novo fundo só poderá contratar funcionários por concurso público, estará submetida ao teto para remuneração do funcionalismo público e estará sujeito às normas de licitação. Pela proposta em exame no Congresso, o fundo de previdência complementar deverá ter uma administração terceirizada. “Seguramente será o maior plano de previdência do país. Não parece de bom tom centralizar nas mãos de poucas pessoas a sua administração”, diz Claudia. Ela questiona também se não haveria no governo profissionais competentes para gerir o fundo. Sugere que a gestão seja feita com base nas regras já existentes. “Essas regras funcionam tão bem que várias entidades têm superávits”, comenta. Para Claudia Ricaldoni, a gestão própria é mais barata e já existe hoje regra determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).


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