“Nenhuma mãe se conforma com a morte de um filho”, diz Débora Maria da Silva, fundadora do grupo Mães de Maio.
Edson Rogério Silva dos Santos era gari e tinha 29 anos. Parou em um posto de gasolina para abastecer a motocicleta após o expediente, na Baixada Santista, e foi assassinado – um dia após o Dia das Mães.
A morte de Edson foi uma das 564 ocorridas no período de 12 a 21 de maio de 2006, segundo estimativas do relatório da Comissão Especial “Crimes de Maio”, da Secretaria de Direitos Humanos.
No dia 12 de maio, o PCC deflagrou rebeliões em presídios de todo o Estado de São Paulo. Enquanto isso, viaturas, delegacias de polícia, cadeias e prédios públicos foram alvos de ataques. A polícia e grupos de extermínio então promoveram uma ação de resposta a esses ataques, marcada por execuções sumárias e diversos desaparecimentos.
Após a morte do filho, Débora entrou em depressão e chegou a ficar internada no hospital durante uma semana. “Não tinha forças para nada, só queria morrer”, conta. Debilitada e sob medicação, enxergou o filho morto à sua frente. “Ouvia ele me falando: ‘Mãe, reage! A senhora tem que lutar pelos outros, a senhora é uma mulher de fibra’”. Débora recebeu alta e voltou para casa. “Pensei: não vou cair. Vou lutar”.
Depois disso foi procurar outras mães que tiveram seus filhos mortos nos “Crimes de Maio”, como passaram a ser chamados os ataques. Formava-se o grupo Mães de Maio. Em um jornal popular de Santos, Débora viu um anúncio do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), informando que houve diversas vítimas no período e chamando os familiares para serem atendidos em São Paulo. Débora e mais um grupo de mães foram. ”Eu nunca tinha ido para São Paulo, meu mundo era a minha casa. Eu vendia lingerie para trabalhar e ficar perto dos meus filhos. De tanto ser maltratada nos fóruns e delegacias de Santos, tive a necessidade de pegar um ônibus e ir. Não sabíamos andar de metrô direito, nos perdemos, estávamos muito assustadas com tudo o que tinha acontecido”.
Chegando ao Condepe, foram falar com a presidente Rose Nogueira. Perguntada sobre quem tinha matado seu filho, Débora baixou o tom de voz e respondeu: “A polícia”. Rose respondeu que não havia motivo para falar baixo e mostrou o livro que o Condepe havia produzido, sobre os crimes de maio. “Eu nem conseguia abrir o livro. Abria e fechava. Levei quase oito meses para achar o nome do meu filho. Eu pensei que fossem só os nossos filhos daqui de Santos. Aí vi o tamanho da desumanidade que aconteceu no Estado de São Paulo. Isso me fortaleceu. Pensei: ‘Tenho uma missão, nem que custe a minha vida’”, conta Débora.
As Mães de Maio começaram a conceder entrevistas. Com medo de represálias, só apareciam de rostos cobertos. Um certo dia, Débora se viu na televisão e decidiu então que não se esconderia mais. “Não podemos agir com covardia, eles mataram nossos filhos. Eu sou irmã de um desaparecido. Meu irmão desapareceu nos anos 80, na época de esquadrão da morte. Meu pai tinha medo de tudo e deixou minha mãe naquele silêncio. Tivemos que engolir seco aquilo. Passou um filme na minha cabeça e eu criei mais coragem. Vou colocar o dedo na ferida, doa a quem doer”.
As Mães de Maio ganharam visibilidade. Com isso, vieram as ameaças. Vera, uma das mães, foi presa por associação ao tráfico. Sua filha, Ana Paula, estava grávida de 9 meses quando foi assassinada, junto ao marido. A cesariana estava marcada para o dia seguinte em que foi morta. “Imagina perder a filha, a neta, o genro e ainda ir parar atrás das grades”, diz Débora.
Em seguida, Edinalva, outra mãe, foi presa. A polícia encontrou uma mochila com drogas no bar em que trabalhava. Débora foi atrás de um advogado e, segundo ela, o orientou na defesa. “Falei para ele como tinha que ser feito. Estamos lutando por justiça e isso não é crime. Ele fez como eu disse e, nove dias depois, o juiz julgou a prisão dela como arbitrária. Depois dessas retaliações, a gente se fortaleceu mais ainda. Brasília ficou pequena”.
Pela atuação com as Mães de Maio, Débora recebeu o Prêmio de Direitos Humanos de 2013 na categoria “Enfrentamento à violência”, entregue pela presidenta Dilma Rouseff. O prêmio é a maior condecoração do governo brasileiro a pessoas físicas e jurídicas que se destacam na área. Em seu discurso de agradecimento, Débora defendeu a desmilitarização da polícia, o fim das revistas vexatórias e a instauração de uma Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio”, instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo no dia 20 de fevereiro deste ano.“Só com a resolução desses casos de homicídios vamos provar que nossos mortos têm voz.”, diz.
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