Ministério Público cobra da Samarco R$ 155 bilhões para reparar danos em Mariana

Aérea mostra a lama no Rio Doce, na cidade Resplendor (MG), afetado pelo rompimento da Barragem do Fundão em Mariana - Foto: Fred Loureiro/Secom-ES
Aérea mostra a lama no Rio Doce, na cidade Resplendor (MG), afetado pelo rompimento da Barragem do Fundão em Mariana – Foto: Fred Loureiro/Secom-ES

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou na tarde de terça-feira (3) o teor de uma ação civil pública para reparação total dos danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco. A tragédia, que ocorreu no dia 5 novembro de 2015, em Mariana (MG), deixou 19 mortos, causou destruição da vegetação nativa e poluiu a bacia do Rio Doce. Os procuradores estimam em R$ 155 bilhões o valor dos prejuízos.

A ação impetrada na Justiça Federal tem 359 páginas e inclui mais de 200 pedidos. Os procuradores voltaram a se colocar contra a homologação judicial do acordo entre as mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Segundo eles, as medidas são insuficientes. O acordo prevê o aporte de aproximadamente R$ 20 bilhões ao longo de 20 anos, um valor bem inferior aos R$ 155 bilhões pedidos na ação.

Segundo o procurador José Adércio Sampaio, para o cálculo dessas cifras foi escolhido um caso emblemático que pudesse servir de comparação. A opção se deu pela explosão da plataforma Deepwater Horizon, da empresa petrolífera British Petroleum, em 2010, no Golfo do México. No episódio, 11 pessoas morreram e cerca de 4,9 milhões de barris de óleo vazaram para o mar. “Com base em estudos preliminares, concluímos que os impactos humanos, econômicos e socioambientais da tragédia de Mariana são, no mínimo, equivalentes àqueles verificados no Golfo do México”, disse Sampaio. No ano passado, a British Petroleum, em laudo divulgado em seu site, reconheceu os danos no valor de US$ 43,8 bilhões que, convertidos em reais, daria os R$155 bilhões.

Os promotores reiteram se tratar de um valor estimado, que deverá ser melhor definido a partir de diagnóstico realizado por técnicos independentes. “Os estudos ainda não retratam na plenitude a extensão do dano. Precisaremos de diagnósticos de pelo menos dois anos hidrológicos para ter convicção acerca dos prejuízos. Por isso, a ação aponta uma estimativa. Mas se os danos são equiparáveis à tragédia do Golfo do México, não me parece crível que o meio ambiente em outro país seja mais valioso que o nosso”, acrescentou Sampaio. Os técnicos também seriam os responsáveis por propor um cronograma de ações de reparação, recuperação e indenização socioambientais.

Os custos do prejuízo seriam arcados pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billinton, sem distinção. “A responsabilidade é das três. A Vale, inclusive, depositava rejeitos na barragem, iniciativa que segundo os órgãos de fiscalização não era informada corretamente”, contou o procurador Jorge Munhós. Segundo a ação, as mineradoras depositariam os recursos em um fundo privado e não participariam da sua gestão. É pedido também um aporte inicial e imediato de R$ 7,7 bilhões para medidas as serem tomadas nos próximos 12 meses.

O Poder Público também é apontado como responsável solidário pelos danos e poderia ser acionado para arcar financeiramente com os prejuízos. O governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, e seus órgãos de fiscalização, aparecem na peça como réus. “É uma garantia para os atingidos de que efetivamente haverá a reparação. Um evento dessa magnitude evidencia que houve falha na fiscalização, na concessão das licenças ambientais e na vistoria das barragens”, aponta Munhós.

Medidas socioambientais

Além dos R$ 155 bilhões, a ação pede o pagamento de dano moral coletivo em quantia equivalente a 10% do valor da causa, pelos prejuízos causados à sociedade brasileira e à imagem do país perante o mundo. Outros 10% são solicitados como indenização pelo período que a população ficará impossibilitada de usufruir do meio ambiente, seja para pesca, para lazer ou para atividades econômicas como pecuária e agricultura.

Outras medidas socioambientais previstas são a recuperação de toda a mata ciliar da bacia do Rio Doce e de, no mínimo, 10 mil nascentes, além da estruturação do saneamento básico dos municípios afetados. Mesmo as cidades que não tinham nenhuma estrutura de saneamento antes da tragédia seriam beneficiadas. “Quando falamos de direito ambiental, nem tudo o que é danificado pode ser recomposto, e o que não pode ser reparado pode ser compensado de outras formas”, explica o procurador Eduardo Henrique Aguiar.

Também são requerida iniciativas voltadas para uma mineração mais sustentável. “O Brasil já detém técnicas de reaproveitamento dos rejeitos. Em vez de serem depositados em barragens, eles podem ser transformados em insumos da construção civil, como tijolos e argamassas, sendo assim reinseridos em outra cadeia produtiva. A legislação brasileira prevê essa medida, e já obriga, por meio da Política Nacional de Resíduos Sólidos”, segundo Aguiar. A ação pede ainda a construção de um memorial no distrito de Bento Rodrigues, onde ocorreu a tragédia, para que o episódio não seja esquecido.

O MPF também pede a suspensão da distribuição de lucros e dividendos da Samarco, Vale e BHP e da concessão de benefícios do Poder Público. “A legislação ambiental brasileira é categórica. Não pode haver nenhum benefício do Poder Público a empresas poluidoras. Isso vale para incentivos fiscais, abatimentos de juros, entre outros”, explica Aguiar.

Tramitação

Quando o governo federal e os governos de Minas Gerais do Espírito Santo assinaram o acordo de R$ 20 bilhões com a Samarco, a Vale e a BHP, os envolvidos na negociação destacaram que o maior benefício era poder dar início imediatamente aos trabalhos de recuperação ambiental. Segundo eles, se não houvesse conciliação, uma ação judicial poderia levar anos para ser julgada.

Os procuradores reconhecem que a tramitação da ação civil pública poderá ser lenta, mas defendem o caminho escolhido. “Esta ação é uma carta de garantia. Pode demorar cinco ou dez anos para transitar em julgado. A seguir o rito, pode levar até 15 anos. Mas é uma garantia para os atingidos de que o dano não deixará de ser integralmente reparado”, destaca Sampaio.

Segundo ele, não havia outro caminho, uma vez que as medidas negociadas entre os governos e as mineradoras se mostraram insuficientes. Sampaio aponta que o principal problema do acordo é que ele se apresenta como garantia máxima, quando deveria ser uma garantia mínima. “Ele se propõe a esgotar todas as demandas vinculadas com a questão ambiental, e nem sabemos ainda a extensão do dano”, critica. Outra divergência é sobre a forma de gestão dos recursos a serem empregados. Segundo o acordo, especialistas indicados pelas mineradoras integrariam uma fundação voltada para administrar os valores. Sampaio não concorda com essa influência direta das empresas.

Apesar do longo tempo previsto para tramitação da ação, há medidas que poderão ter início de imediato. Isso porque os procuradores incluíram no texto diversos pedidos de liminares. Eles solicitam, por exemplo, que seja dado prazo de 30 dias para as mineradoras conterem os vazamentos de rejeitos que seguem ocorrendo para a bacia do Rio Doce. Proibição de pesca, indenizações aos pescadores e às comunidades indígenas, fornecimento de água potável, início da recuperação das matas ciliares e nascentes também são objetos de pedidos de liminares.

Responsabilidades criminais

A investigação criminal é tema de outra frente e, segundo o MPF, também está em fase avançada. Segundo o procurador Eduardo de Olivera, já é possível fazer uma reconstrução histórica dos fatos. “Uma tragédia como essa nunca ocorre exatamente no dia em que ela acontece. É fruto de uma cadeia de eventos”, disse. Estão sendo investigados os crimes de homicídio, falsidade ideológica, poluição e inundação.

Procurada para comentar a ação impetrada pelo MPF, a Samarco informou que ainda não foi notificada. Até o fechamento da matéria, a Vale não havia dado retorno.


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