Moradora de rua dribla dificuldade para se manter limpa

Dona Iva de Fátima, moradora de rua. Foto: Fernanda Lelles
Dona Iva de Fátima, moradora de rua. Foto: Fernanda Lelles

Dona Iva de Fátima tem 56 anos e há quase 20 mora na rua. Chama atenção de quem passa por ela no bairro da Liberdade, centro de São Paulo, porque, ao contrário da maioria dos moradores de rua, ela consegue se manter limpa mesmo em condições tão difíceis. 

Aparenta muito mais idade do que realmente tem. O rosto é marcado por profundas rugas, e o corpo é curvo, resultado dos anos dormindo sentada nas calçadas. Sua expressão é obviamente triste e mostra o sofrimento e o embrutecimento causado pelas ruas.

Para aonde vai carrega consigo um carrinho com mochilas de viagem e usa, pendurada ao corpo, uma bolsa feminina. As roupas ela lava na Praça da Sé, estende também por lá e fica esperando até que sequem. Embora tenha motivos de sobra para desistir de si, Iva escolhe se cuidar, faz questão de conservar a aparência limpa, mesmo recursos escassos.

Todas as noites, Iva espera os comerciantes da esquina da Rua Tabatinguera com a Avenida do Estado encerrarem o expediente para então se abrigar entre os degraus que ficam em frente às portas dos estabelecimentos. Nessa esquina há diversos bares, que até o final da noite tocam música alta durante a semana. Já nos fins de semana, a música dura até a madrugada. E enquanto a música toca, ela fica sentada, aguardando a hora em que vai poder se deitar para dormir. Mas as preocupações dela são maiores que a música alta que a impede de pegar no sono: enquanto dorme, às vezes, outros moradores de rua mexem com ela, já chegaram até a agredi-la e roubar-lhe seus poucos pertences, mas Iva diz que os vizinhos do local costumam intervir e ajudá-la nessas ocasiões. Os vizinhos também a ajudam com doações e alimentação.

Iva está sozinha, embora tenha parentes em Campos do Jordão, interior de São Paulo) e também no interior de Minas Gerais. Mulher de poucas palavras, agarra-se à única esperança na vida: reaver o dinheiro de salários não recebidos da época em que trabalhou numa fábrica de lã há quase de 20 anos: “Eles têm que me pagar”, repete energicamente, sempre que alguém lhe pede para seguir adiante, esquecer o tal dinheiro e retomar a própria vida.

Diego*, vizinho do local onde dona Iva passa as noites, diz que ela dorme por lá há pelo menos nove anos, e por isso a conheceu. Ele, que  é psicólogo,  tenta ajudá-la como pode. Conseguiu, com o auxílio da mãe, um emprego de faxineira para Iva, mas ela recusou a oferta, dizendo que não pode trabalhar porque está esperando receber o dinheiro que lhe devem.

Foto: Fernanda Lelles
Foto: Fernanda Lelles

“Primeiro ela tem que se livrar dos traumas”, diz Diego. Ele conta que é muito difícil se aproximar dela: “Os golpes que sofreu a deixaram muito desconfiada. Demorei muito tempo para conseguir que ela falasse comigo”, conta. Ele afirmou ainda que foi atrás dos parentes vivos de dona Iva, mas que eles não dão abertura quando escutam o nome dela e desligam o telefone, sem querer saber da situação atual da moradora de rua.

Os pais de Iva morreram cedo, e ela diz não se recordar da infância ou da vida antes do trabalho na fábrica de lã. Enquanto trabalhou, conta que vivia numa casa alugada, mas, quando a fábrica passou a atrasar seu salário, ela deixou de ter dinheiro para pagar o aluguel. Na sequência, morou por dois anos com a irmã, mas, segundo diz, “elas não dão certo juntas”.

Diego diz que checou as informações que Iva lhe passava e foi atrás da fábrica em que ela trabalhou.  Segundo ele, a fábrica existia no interior de Minas Gerais, mas faliu também há quase 20 anos. “Por algumas vezes, quando conversamos, ela parece muito lúcida, mas outras vezes não, então eu duvidava que a fábrica realmente existisse, achava que podia ser uma invenção da cabeça dela”, diz. O psicólogo espera que alguém descubra a história de Iva e possa ajudar a tirá-la da rua e, quem sabe, reabilitá-la.

Dona Iva parou a própria vida por um golpe sofrido, e todas as noites sonha em receber o dinheiro perdido para então ter sua dignidade de volta. Recusa-se a acreditar que esse dinheiro nunca virá, que nem mesmo por meios legais seria impossível recebê-lo depois de tantos anos de dedicação. A esperança de que os antigos donos da fábrica lhe paguem o é o que a faz seguir adiante.

*O nome de Diego foi trocado a seu pedido.

Foto: Fernanda Lelles
Foto: Fernanda Lelles

 


Comentários

6 respostas para “Moradora de rua dribla dificuldade para se manter limpa”

  1. Sou vereador de Campos do Jordão.. podemos ajuda-lá. .. 12

  2. Sou vereador em Campos do Jordão e mantenho uma casa de passagem para moradores de rua… e através da secretaria de desenvolvimento e promoção social da cidade .. poderemos ajuda-la a organizar sua vida com sua família. .

  3. Avatar de darley santos
    darley santos

    Ela é minha tia

  4. Avatar de darley Aparecida dos santos
    darley Aparecida dos santos

    Gente ela é minha tia minha mãe fez uma casa em campos p ela ela morou por um tempo e depois fugiu p Rua fomos atrás dela em São Paulo achamos ela mas ela não quiz voltar.E sumiu achamos que algo tinha acontecido pq nunca mais a achamos

  5. E se juntar dinheiro e dar a ela dizendo que é da fábrica de lã? Será que não conseguiria seguir adiante? 🙁

  6. Avatar de Eder Carlos de Oliveira
    Eder Carlos de Oliveira

    Sou de Campos do Jordão, como exerço uma função pública gostaria de ajudar com a família que reside aqui se quiserem entrar em contato estou a disposição.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.