No caminho certo

Publicitário Celso Loducca fala à Brasileiros - Foto: Eduardo Lopes
Publicitário Celso Loducca fala à Brasileiros – Foto: Luiza Sigulem

Sétimo personagem da série de reportagens Como Vender Este Produto Chamado Brasil, o publicitário paulistano Celso Loducca, sócio-presidente da Loducca, agência que em julho próximo completa 20 anos, considera fácil a tarefa inserida no tema proposto pela Brasileiros. Para ele, apesar da atual crise e dos desafios que o Brasil ainda tem pela frente, principalmente em termos de justiça social, o País jamais viveu momento melhor.

Egresso da geração que, nos anos 1980, ajudou a colocar a propaganda brasileira entre as mais criativas do mundo, Loducca enfrentou vários embates pessoais até se afirmar como publicitário. Cursou seis faculdades – Biologia, Física, Química, Engenharia, Psicologia e Publicidade –, sem concluir nenhuma, foi professor de cursinhos universitários e, no começo dos anos 1980, produtor esporádico de espetáculos musicais que envolveram artistas ascendentes, como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, e grandes estrelas, como Luiz Gonzaga e Dominguinhos. A carreira de redator teve início em 1984, na Standard (hoje Ogilvy). Ao longo de 11 anos, passou ainda pela Young & Rubicam, Talent e W/Brasil, e foi vice-presidente da FCB. Nesse curto período, saiu da condição de talento criativo para o posto de empreendedor à frente de sua própria agência.

Loducca também é sócio da Casa do Saber, instituição paulistana com filial carioca que ministra cursos e palestras de diversas áreas do pensamento, nascida de encontros informais com amigos que se reuniam para discutir filosofia, sociologia, psicologia e assuntos afins. Há dois anos, ele encara, às segundas-feiras, na rádio Eldorado FM, a faceta de mediador do programa Quem Somos Nós (ouça em quemsomosnos.com.br).

Em entrevista realizada na sede da Loducca, na zona sul de São Paulo, registramos considerações sobre sua trajetória, a evolução do mercado publicitário no País e, claro, sobre o tema de nossa série. A seguir, divididos em blocos, os principais momentos da conversa.

PUBLICITÁRIO ZEN
A adolescência é um período muito ligado à escola e a minha turma era do tipo que queria “ser gauche na vida”, como diria Drummond no Poema de Sete Faces. Acabei me juntando a esse grupo de amigos diferentes porque os achava bem mais interessantes. Eram excelentes alunos, absorviam conhecimento de um jeito incomum e olhavam as coisas da vida de outra forma. Era uma turma que tinha interesse por poesia, que discutia coisas como música e literatura. Do ponto de vista dos meus próprios interesses, eu começava uma forte busca espiritual, que teve início com os livros de Hermann Hesse – primeiro com Sidarta e, depois, com O Lobo da Estepe, talvez o livro da minha vida. Fui agregando a essa busca ensinamentos, como os de Krishnamurti e Yogananda. Já fui católico, hare krishna e, durante um tempo, também aderi à macrobiótica, que não trata apenas de alimentação. Ironicamente, toda essa busca espiritual sempre foi permeada por meu interesse pela ciência que, aparentemente, trata de coisas opostas.

DIVERGÊNCIAS FAMILIARES
Meu pai é um cara mais à direita. Apoiou o golpe de 1964, mas é preciso entender que ele veio de um contexto social, de certa forma, semelhante ao de hoje. Ele é formado em Direito pela USP, mas nasceu em uma família de imigrantes italianos muito humildes e teve de batalhar por suas conquistas, como muitos que vieram da classe D, ascenderam para a C e hoje estão mais conservadores, defendendo a propriedade e valores morais familiares. Eu sempre tive um olhar mais progressista do que ele, houve atritos entre nós, mas sempre existiu também bastante carinho e respeito. Mesmo conservador, em momento algum ele procurou me tolher ou se impor com autoritarismo, apesar de, ironicamente, apoiar um regime autoritário. Esse embate de ideias me ensinou a dialogar com o outro. Saí do Dante Alighieri em 1975, fui cursar Biologia na USP e comecei a participar do movimento estudantil. Pouco depois, fui estudar Física na Universidade Mauá e acabei parando na diretoria do Centro Acadêmico. Os CAs daquela época eram muito politizados e, em todas as faculdades em que ingressei, procurei somar forças na luta contra a ditadura. Eu nem era estudante da PUC, ainda estava na Mauá, mas, em 1977, estive naquele episódio de forte repressão das tropas do coronel Erasmo Dias (então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo). Bombas de gás por todo lado, correria, ônibus e mais ônibus de jovens sendo levados para o Batalhão Tobias Aguiar da Polícia Militar, e de lá, cerca de 90 alunos foram parar no DOPS (ao todo, 854 estudantes foram rendidos, 92 deles conduzidos ao Departamento de Ordem Política e Social). Entre eles estava eu. Não quero dizer com isso que fui torturado ou tinha alguma importância no movimento. Colaborava, mas não exercia liderança. Ironicamente, foi meu pai, que conhecia um general e telefonou para ele, quem fez com que eu fosse libertado no dia seguinte.

Cases de sucesso da Loducca:

PRODUTOR EFÊMERO
Quando me separei do primeiro casamento, voltei a morar na casa dos meus pais e percebi que precisava ganhar mais dinheiro porque eu fazia questão de dispensar quase 80% do que eu ganhava para pagar a pensão das minhas duas filhas (o publicitário tem mais um casal de filhos, de outros dois relacionamentos), dava aulas em três turnos e mesmo assim a grana não era suficiente, nem para mim nem para elas. Como era uma época em que artistas como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, que tinham uma visão diferente, estavam batendo cabeça para chegar a um lugar confortável, decidi ajudá-los de alguma forma e produzi alguns shows deles. Algo que me mantinha próximo desse ambiente artístico, não que eu tivesse pretensão de ser artista, mas gostava muito de compartilhar daquelas conversas, daqueles olhares. Comecei a produzir pequenas apresentações até que falei: “Bem, agora vou fazer um show de gente grande, que vai me fazer virar o jogo!”. O espetáculo se chamou Forró Brasil e consegui um patrocínio parcial do Bamerindus (o extinto banco). Reuni os quatro maiores sanfoneiros do Brasil: Luiz Gonzaga, Sivuca, Dominguinhos e Oswaldinho do Acordeon. Quatro músicos de gerações diferentes no ginásio da Portuguesa, tocando para dez mil pessoas. Consegui botar o evento em pé, mas contava com a bilheteria para pagar a segunda metade dos cachês. Descobri que tomei um golpe, porque os ingressos legítimos iam e voltavam na bilheteria, sem que fossem rasgados ou submetidos a algum controle. Me ferrei. O ginásio estava visivelmente lotado, mas somente cerca de duas mil pessoas passaram pela catraca. Tive de negociar a outra metade dos cachês em parcelas mensais. Obviamente, minha carreira de produtor terminou aí.

O COMEÇO, NOS ANOS 1980
Era um momento diferente, mas já muito profissional. O Brasil tinha agências criativas, só que a propaganda era mais provinciana, olhava muito para dentro do próprio mercado. Essa visão internacional que existe hoje engatinhava por aqui. As maiores agências do Brasil eram empresas nacionais, como a MPM e a DPZ. As estrangeiras só foram disputar a série A do “Brasileirão” da propaganda no final da década. O ambiente era menos chato, informal, ao mesmo tempo menos focado. Peguei o final desse momento em que a propaganda ainda funcionava como refúgio dos deslocados. Era comum que escritores, arquitetos, engenheiros e ilustradores achassem na propaganda um meio de viver. Proporcionalmente, o trabalho dos criativos era mais bem remunerado e a capacidade que as agências tinham de atrair grandes talentos, maior.

PROPAGANDA PARA A ELITE
Nos anos 1980, não fazíamos propaganda para o brasileiro médio. Propaganda era para a classe média alta e para os ricos. Há quem diga: “Ah, mas a propaganda não é mais tão criativa como era naquele tempo”. Uma bobagem absoluta. Na verdade, havia algumas pessoas com privilégio de ter estudado em uma escola bacana, numa universidade legal, que criavam para outras pessoas com esse mesmo perfil cultural e financeiro. Era isso. Um joguinho entre 10% da população. Então, se você usasse uma referência sofisticada, ela funcionava para esses 10%, mas só para eles, porque eram eles que consumiam. Com exceção do que era feito para o Silvio Santos, que falava para todo o Brasil, o mercado brasileiro de propaganda funcionava para a elite. Era uma turminha falando para outra turminha.

TRANSIÇÃO ECONÔMICA
Viver no Brasil dos anos 1980 era uma loucura. Lembro claramente do hábito de estocar comida. A dispensa era algo indispensável, porque no final do mês tudo custava duas, três vezes mais. Temos problemas hoje, mas não é assim que a gente vive. A política era pior, os fundamentos econômicos eram piores, e as coisas andavam, de certa forma, somente para a elite. A estabilização começou a ser perseguida a partir do governo Itamar Franco. E temos de ser justos com ele, porque, com todo mérito da equipe econômica do Fernando Henrique Cardoso, foi ele quem idealizou e permitiu que tudo isso acontecesse. O FHC, em seu primeiro governo, consolidou a estabilidade, mas no segundo tivemos graves consequências por ele ter segurado o dólar. De qualquer maneira, mesmo naquele momento, o País era bem maior e melhor do que já havia sido. Quem conviveu com as grandes variações dos anos 1980 e 90 não pode achar o fim do mundo o que acontece agora.

INSERÇÃO PELO CONSUMO
Com o primeiro governo Lula, iniciamos uma fase de bonança, impulsionada pela demanda mundial por commodities, e o Brasil se tornou grande exportador. O olhar do presidente Lula de distribuir renda – algo comprovado mundialmente, até mesmo pela ONU, não é uma opinião minha – foi uma escolha acertada. Podemos até discutir se o jeito certo de transformar pessoas em cidadãos é por meio do mercado, é possível dizer que houve erros, mas isso aconteceu por aqui e as pessoas gostaram. Diminuiu a fome, melhorou a qualidade de vida de muitos brasileiros e tudo isso movimentou o mercado de propaganda. Essa mudança ampliou o diálogo que havia entre as pessoas e a publicidade brasileira. Alcançamos a população do Brasil real. Algo lindo, porque a propaganda é feita para falar com o outro em geral, não apenas com um grupo de amigos.

O FATOR TECNOLÓGICO
A tecnologia é profundamente importante para a propaganda. Ela tem mudado, inclusive, o comportamento e temos de acompanhar tudo de perto, mas esse é um processo tranquilo. Nosso ofício continua o mesmo: conhecer as pessoas, conhecer as marcas, criar uma relação entre elas e fazer com que essa ligação se sustente o máximo de tempo possível. Algo que nunca mudou e jamais vai mudar na propaganda. Se vou materializar essa relação via internet ou não, é outra questão. Cada vez mais precisamos de profissionais que tenham sensibilidade, talento, conhecimento e clareza de que o que a gente faz é aproximar pessoas de marcas e estimular uma relação saudável e duradoura.

PÉ QUENTE Na edição 2011 do Prêmio Caboré, o mais importante da propaganda brasileira, Dona Lu, copeira e primeira funcionária da Loducca, que foi convidada de surpresa para ir à entrega, subiu ao palco com Celso para o prêmio de Agência do Ano (foto: Eduardo Lopes)
PÉ QUENTE Na edição 2011 do Prêmio Caboré, o mais importante da propaganda brasileira, Dona Lu, copeira e primeira funcionária da Loducca, que foi convidada de surpresa para ir à entrega, acabou subindo ao palco com Celso e equipe para receber o prêmio de Agência do Ano (foto: Eduardo Lopes)

ÓDIO POLÍTICO
Estamos em um momento de retrocesso. O País está voltando a um conservadorismo absurdo e esse espírito de ódio crescente dos últimos meses não nos ajuda em nada. Sempre existiu terrorismo da disputa por poder na esfera política, mas agora vivemos isso no dia a dia. As pessoas estão aderindo à guerra entre governo e oposição e, no fundo, estão todos querendo que o País se lixe. Algo muito feio tanto para os políticos quanto para as pessoas. Desse ponto de vista, acredito que tivemos momentos mais razoáveis, em que esses cidadãos estavam um pouco mais interessados em defender o Brasil, fossem eles do PSDB, do PT ou do PMDB. Precisamos mais disso e não derrubar a Dilma ou defender maluquices como intervenção militar. Esse ódio é, hoje, nossa maior pobreza.

A CRISE E OS CLIENTES
Meus clientes veem esse momento como difícil, mas os poucos que acham que o mundo está acabando são aqueles mais jovens. O País vai explodir? Definitivamente, não! Os mais experientes sabem que estamos vivendo um refluxo, mas que ele é muito menor do que os outros que vivemos anteriormente. Meus clientes sabem que o ano vai ser duro, mas nenhum deles está aqui para explorar uma relação de um ou dois anos com o Brasil. Eles querem durar no País e não adianta para eles agir como se em 2016 não fossem mais estar aqui. Muita gente gosta desse clima para aumentar seu lucro, o lucro especulativo, e querem mais é que se dane o futuro, que se dane o Brasil. Meus clientes, felizmente, são empresas dirigidas por pessoas que têm uma visão madura. Claro, eles também estão aqui para ter lucro, este é um País capitalista e eles também, mas querem fazer isso em longo prazo. Estamos passando por um problema? Sim! Então, vamos resolvê-lo com estratégia, talento, planejamento, disciplina.

COMO “VENDER” O BRASIL
Não tenho nenhum problema ou dificuldade em vender o País. A gente não pode ter a pequenez de se ater apenas ao momento atual. É claro que, em relação ao final do governo Lula, o País está um pouco pior. Mas vamos enxergar as coisas em uma perspectiva um pouco maior? Porque, se olharmos para trás, para o Brasil da minha vida, de 57 anos atrás, ou o Brasil do início do século 20, concluiremos que houve um avanço gigantesco. E o que dizer do Brasil deste começo de século 21?! É absolutamente outro País! Aliás, nem vou dizer a partir de 2001, mas de 20 anos para cá, porque não quero partidarizar essas conquistas. A sensação de que a gente piorou é de quem não tem visão histórica ou de quem tem má-fé. Se você pegar os dados da Transparência Internacional entre 2000 e 2014, o Brasil é, hoje, um País com menos corrupção que a França e a Itália. A corrupção, para alguns, faz parte do DNA do País e a gente precisa enfrentar esse argumento julgando e prendendo todo mundo, corrompidos e corruptores. Esse negócio de culpa seletiva não vai dar certo. É um jogo político que em nada vai ajudar o País. Claro, o Brasil ainda é uma das nações mais desiguais do mundo, mas será justamente fazendo justiça social que vamos fortalecer nossa indústria, o consumo e a economia, e tudo ficará melhor. Essa visão de que justiça social é contra a economia é uma bobagem. Estamos no caminho certo e não dá para voltar para trás. Não é preciso ter muitos neurônios para perceber que o Brasil é um país destinado a ter importância mundial.


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