O Rugby nas mãos de Paraisópolis

Sob um sol de meio-dia, o fijiano Waisale Serevi, considerado um dos maiores jogadores de rugby, recupera o fôlego depois de correr pelo campo de futebol Palmeirinha, em Paraisópolis, periferia de São Paulo. Naquela tarde, Serevi desempenha um papel importante para a comunidade local: o de inspirar centenas de jovens, entre 7 e 19 anos a se transformarem através do esporte. E Serevi não está só. Além dele, outros dois grandes jogadores internacionais, Ben Gollings, da Inglaterra e Santiago Gomez Cora, da Argentina, dividem a atenção entre as crianças e adolescentes que aos poucos tomam conta do gramado. Os três atletas estiveram no Brasil a convite do HSBC e em parceria com a Serevi Rugby, instituição que tem como objetivo expandir a modalidade e também desenvolver atletas.

Fundada em 2010, a instituição criada por Serevi é uma forma que o jogador encontrou de “retribuir tudo o que o esporte lhe proporcionou”. “Eu venho de uma família bem humilde em Fiji. Mas eu encontrei o meu jeito de chegar ao topo e todas as dificuldades ao meu redor não me impediram de atingir o meu sonho. Quando eu fundei o instituto queria dizer a essas crianças que a oportunidade está aí. E o rugby me deu muito. Dar essa oportunidade é realmente muito importante para que esses jovens possam descobrir o que eles desejam ser”, explica Serevi.

Rugby para todos

Serevi também fundou em 2010 a Serevi Rugby, que tem como um dos objetivos expandir o esporte pelo mundo e desenvolver jovens atletas. O escritório da instituição fica em Seattle, Washington
Serevi também fundou em 2010 a Serevi Rugby, que tem como um dos objetivos expandir o esporte pelo mundo e desenvolver jovens atletas. O escritório da instituição fica em Seattle, Washington. Foto Jonne Roriz/Getty Images

O esporte de origem inglesa não é mais nenhuma novidade para os jovens de Paraisópolis. Era 2004 quando o mesmo campinho, ainda de terra, começava a reunir os primeiros adolescentes interessados no esporte. “Foi uma surpresa quando apareceram mais de cem jovens aqui para jogar”, lembra Fabrício Kobashi de Faria, um dos fundadores e diretor do Instituto Rugby para Todos sobre o dia inaugural do projeto.

Fabrício, ao lado do também atleta Maurício Alexandre Pérez, deu início ao projeto social e voluntário há dez anos com um objetivo educacional. De lá para cá, conseguiu descobrir não só talentos como proporcionar um novo contexto. “Aos poucos, montamos o modelo que temos hoje, onde eles são bem atendidos, têm uniforme, lanche, acompanhamento pedagógico, psicológico, médico e escolar. Conseguimos cobrir muitas das necessidades deles e tudo através do rugby”, completa Fabrício.

Treinador do time de jovens de 17 a 19 anos e também integrante da seleção brasileira de Rugby, João Pires de Oliveira Dias Neto, trabalha com os jovens de Paraisópolis há dois anos. Desde então, pode acompanhar não só o desenvolvimento físico, mas também o emocional de seus alunos. “Ter um objetivo claro em ser bom no esporte é uma excelente ferramenta para ter os alunos motivados. Eles não vão só pensar no físico e na saúde deles, mas como vão poder usar essa disciplina para correr atrás de ser bom em outras coisas que eles também sonham ser”.

Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores e Comércio de Paraisópolis, observa de longe o treino e fala com orgulho quando perguntado sobre o impacto que o esporte tem proporcionado. “A gente pode contar aqui na comunidade com esses meninos a qualquer momento”, comenta.  “Até a participação deles dentro da escola mudou. Eles estão mais ativos e mais conscientes do papel deles enquanto cidadãos. E eu acho que isso é fruto deste projeto. A gente percebe que os alunos que participam não só do rugby, mas também de outros projetos que integram a educação, eles atuam mais na comunidade. E eu tenho certeza que à medida que esses meninos têm oportunidades, eles também vão trazer outras para que novos jovens que ainda não têm acesso, possam ter”, completa Gilson.

“Fiquei mais sociável”

Crianças durante o treino que contou com jogadores internacionais de rugby
Crianças durante o treino que contou com jogadores internacionais de rugby. Foto Jonne Roriz/Getty Images


Difícil imaginar que Gabrieli Oliveira, de 16 anos fosse avessa a se enturmar com os colegas antes de entrar para o rugby. “Eu era assim, antissocial. Tímida”, conta. Articulada, ela fala sobre seu processo de mudança, sobre os sonhos e dificuldades sem hesitar e ora e outra algum colega a aborda para conversar ou a chama para voltar ao campo. “Daqui a pouco!”, grita ela a um amigo que já se encontra em meio ao gramado. Gabi, como é chamada pelos amigos, está no projeto há quatro anos e se interessou pelo esporte, sob influência do irmão, que já integra a seleção juvenil. Dali, não só conseguiu reunir amigos, mas despertou-se para fazer do futuro um lugar próximo do esporte. “Eu quero ser professora de educação física, mas também penso em me tornar empreendedora, ter uma loja com coisas especializadas no esporte”, diz ela antes de ceder a outro chamado para retornar ao treino.

Ofegante, Cleiton da Silva deixa o gramado em busca de água e ar. Já sentado o garoto de 15 anos se mostra receptivo quando pergunto por que ele escolheu jogar rugby e não outro esporte. “Aqui eu me sinto melhor”, conta. Jogando rugby há um ano e meio, Cleiton diz que através do esporte passou a ser mais sociável. “Quando jogo eu me sinto mais educado. Eu não era muito social e o esporte fez com que eu me enturmasse mais na escola”, conta o filho do meio de uma família de seis filhos, que divide os dias entre um estágio de manhã, treina a tarde, estuda à noite e sonha em ser engenheiro mecatrônico.

Gilson, presidente da União dos Moradores da comunidade, lembra que quando começou o Instituto Rugby para Todos, houve um certo estranhamento. “Já começou pelo fato de brincar com uma bola que não é redonda!”, conta em risos. Com a bola oval entre as mãos, garotos e garotas correm pelo campo e dominam regras que Gabrieli me explica apontando para o campo: “a gente só pode passar a bola pela diagonal para trás. Nunca jogar para a frente”.  

Dali, saem jovens que poderão representar não só a comunidade onde nasceram como o país, lembra entusiasmado Gilson. “Aqui se formou um exército que continua crescendo e que hoje pode ser exemplo para o Brasil inteiro, tanto pelo esporte quanto pelo desenvolvimento social. Nos anos que vêm, esperamos um campeão nas Olimpíadas e que ele possa trazer a medalha para Paraisópolis. E inspirar, mostrar que é possível superar todas as expectativas, lutar pelos seus desejos. Acho que é o maior exemplo de luta e dedicação que a gente pode ter ao contar com campeões”, completa Gilson. 

Fotos: Jonne Roriz/Getty Images