ONG denuncia a condição das prisões em Pernambuco

Foto: Divulgação/Human Rights Watch
Presos vivem em condições desumanas nas priões pernambucanas – Foto: Divulgação/Human Rights Watch

Um relatório divulgado pela organização não governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) denuncia o descontrole e insalubridade dos presídios em Pernambuco. Segundo a entidade, parte do controle sobre as celas mais superlotadas do País foi repassada para os próprios presidiários, que mantêm a disciplina sobre os demais. Conhecidos como “chaveiros”, por terem as chaves das alas, esses internos cobram por colchões e dominam a venda de drogas dentro das prisões. “Os chaveiros vivem em celas privadas, muitas vezes equipadas com televisores, grandes ventiladores, geladeiras e banheiros”, diz a HRW a partir das visitas feitas a quatro presídios em Pernambuco.

Com base em dados divulgados pelo Ministério da Justiça, a ONG destaca que 32 mil pessoas estão presas em Pernambuco em penitenciárias com apenas 10,5 mil vagas, no total. O que resulta, de acordo com a ONG, no maior índice de superlotação do País, sendo que 59% desses internos ainda não foram julgados. A HRW visitou duas prisões no complexo de Curado, em Recife, e duas em Itamaracá, 45 quilômetros distante da capital – a Penitenciária Barreto Campelo e a Penitenciária Agro-Industrial São João (PAISJ). Foram feitas ainda entrevistas com diretores das unidades, servidores públicos, ex-detentos e parentes de presos.

No Presídio Agente de Segurança Penitenciária Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), parte do Complexo de Curado, uma cela da ala disciplinar tinha seis camas de cimento para 60 presos. “Os presos naquela cela, sem camisas por conta do intenso calor e umidade, vivem espremidos em meio de um cheiro insuportável de suor, fezes e mofo”, enfatiza o documento. Na PAISJ, o pesquisador encontrou presos dormindo nos corredores e áreas comuns. Segundo o relatório, os internos dormem “em qualquer espaço disponível no refeitório, inclusive em cima das mesas e bancos de cimento e no chão entre esses bancos”. O presídio tem capacidade para 630 presos, mas 2,3 mil detentos ali estão alojados.

A superlotação está ligada não só à falta de vagas, mas, segundo o autor do estudo, César Muñoz, falta gestão do sistema. “Tem muitas pessoas nos presídios que não deveriam estar lá”, diz, em referência a detentos que passam anos sem ser julgados ou que continuam presos após o fim da pena. Em outros casos, os condenados estavam aptos a progredir para o regime aberto, porém, continuavam nas penitenciárias.

Foram encontrados também problemas na infraestrutura das penitenciárias. “Em alguns lugares, as condições são inacreditáveis”, enfatiza Muñoz. De acordo com o documento, na PAISJ, “os presos precisam coletar água em baldes para beber, tomar banho, fazer a limpeza e dar descarga. Eles utilizam torneiras nos pátios, onde água é disponibilizada apenas três vezes ao dia, meia hora por vez”. O excesso de pessoas e a insalubridade colaboram, segundo o relatório, para uma alta incidência de doenças. As prisões pernambucanas têm 2.260 casos de tuberculose para cada 100 mil pessoas – 100 vezes maior do que a média na população brasileira. A infecção por HIV chega a 870 casos por 100 mil – 42 vezes maior do que no restante da população.

Foto: Divulgação/Human Rights Watch
Foto: Divulgação/Human Rights Watch

Como exemplo do descontrole estatal nas prisões pernambucanas, o observador da HRW cita que no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, no Recife, foram vistos dois detentos fumando crack em uma torre de vigilância. Agentes penitenciários, policiais e demais funcionários não são revistados ao entrar nas penitenciárias. “O diretor de um presídio disse ter certeza que, em alguns casos, são eles mesmos que trazem as drogas”, ressalta o documento, que guardou sigilo da identidade do administrador.

Nesse ambiente, o relatório diz que os presos estão expostos a diversas formas de violência. Os “chaveiros” formam, de acordo com os relatos colhidos pelo pesquisador, grupos de detentos para extorquir os demais e garantir o pagamento das dívidas de drogas. “Os agentes penitenciários fazem vista grossa ou mesmo participam das atividades ilegais dos ‘chaveiros’ em troca de propina”, acrescenta o documento.

Fazem parte do documento dois relatos de estupro coletivo, um no PAMFA e outro no Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna. “Ambos [vítimas] denunciaram os ataques aos agentes penitenciários, que ignoraram suas denúncias.” Entre as medidas que podem ser adotadas para enfrentar os problemas encontrados pela ONG, Muñoz defendeu a ampliação das audiências de custódia: sempre que ocorrer uma prisão em flagrante, o preso deverá ser ouvido em até 24 horas por um juiz, que avaliará se a prisão pode ser substituída por liberdade provisória.

Colocar os presos provisórios em espaços separados dos condenados é outra medida, que, na opinião de Muñoz, ajudaria a reduzir a violência. O fim dos “chaveiros” também é uma condição indispensável, segundo o especialista, para melhorar as condições nas prisões pernambucanas. “Você não pode dar a um preso poder sobre outros presos em um presídio.”

Governo responde

Em nota à imprensa, o governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, respondeu à  Human Rights Watch, afirmando que não recebeu qualquer relatório da entidade sobre a situação prisional do Estado, mas reconhece a necessidade de melhorias na área.

A secretaria informa ainda que Pernambuco  possui uma população carcerária de 31.919 detentos para 11.196 vagas e, assim como os outros estados brasileiros, enfrenta diversos desafios, “como a necessidade de ampliação do número de profissionais para o exercício das atividades relacionadas à ressocialização”.

Segundo a secretaria, Pernambuco já instalou audiêncvia de custódia na comarca da Capital, “obtendo índices de aplicação de medidas diversas à prisão com índices superiores a 39%”. A medida foi implantada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diversos estados, devido ao entendimento de que a prisão antes da condenação penal deve ser considerada uma medida extrema.


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