Muitas vezes, a História, aquela que se costumava escrever com “H” maiúsculo, é melhor contada por seus personagens principais. O fato de eles estarem mortos é mero detalhe, como mostra esse livro assaz instrutivo. E ninguém melhor que Mario Prata, autor da memorável Estúpido Cupido, para falar com esses finos finados. Para quem não lembra, a novela tinha um tiozinho muito simpático que tentava contato com os que já se foram pelas ondas do rádio.
E antes que a Sociedade Espírita ou o próprio Chico Xavier reclamem, as entrevistas do Prata se deram, na maioria, em mesas de bar, algo muito diferente das sessões em mesas austeras, conduzidas por médiuns. O médium aqui é a mensagem. E ela é dada em alto e bom humor.
Mas não foi tão fácil. Muitas exigências foram feitas. Dom Pedro I, por exemplo, só falaria se não se tocasse no assunto das suas gonorreias. E Cabral pede para desligar a “maquininha” (o gravador) quando perguntado quantas índias tinha comido. E para reconhecer os entrevistados, como Dona Beja, que não é nenhuma Maitê Proença? Ou o priápico Tiradentes, que apareceu de cabelo curto e sem barba? E o Padre Anchieta, “de camiseta, bermudão, bebendo cerveja e comendo ostras cruas”? Este, aliás, ganhou a admiração do autor, que o chamou de poeta beatnik. Encontraram-se na praia de Iperoig, a mesma em que o famoso jesuíta escrevera seus versos na areia.
A ideia, que tampouco deve aos zumbis de Romero ou à imaginação de Mary Shelley, surgiu nesta revista que a leitora e o leitor ora segura – 14 das conversas publicadas no livro saíram na Brasileiros. A qual, diga-se, nunca recebeu cartas de protesto, contestando a autenticidade dos depoimentos. Oito são inéditas. Todas muito saborosas e, ainda que inventadas, totalmente baseadas em fatos reais – afinal, brincadeira é coisa séria.
Os dados históricos são rigorosamente pesquisados, principalmente os mais estapafúrdios, como a vinda do masturbador oficial de Dom João VI para o Brasil. Algumas das lendas coloniais e versões oficiais são desmentidas pelos próprios protagonistas, que conversam de peito aberto com o autor (no caso de Xica da Silva, isso revelou-se estimulante). Chico Rei, o escravo coroado, faz questão de afastar as sugestões de que sua casa abrigava orgias, por exemplo. O inventado é a situação dos encontros – como resistir a fumar maconha do Maranhão com Maria, A Louca? Ou encher a cara com Içá-Mirim, o Barão de Gonneville, em um passeio de barco pelo Sena?
Não deixa de ser uma história alternativa do País, com essa bela seleção de extraordinários índios, negros, mulatos, europeus, cafuzos e mamelucos. Ou seja, bem mais divertida do que os livros escolares e, possivelmente, mais correta – não no sentido de correção política, mas porque isenta de quaisquer pudores, ora pois!
Mario Prata entrevista uns brasileiros
Ilustrações de Lezio Junior
Record – 248 páginas
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