Apesar do crescimento do investimento do governo federal nos últimos dez anos, falar de educação pública no Brasil ainda significa retomar as queixas de sempre: professores mal pagos, alunos pouco interessados, instalações precárias e investimento insuficiente do governo no setor.
Em setembro de 2013, foi sancionada a lei para a destinação de 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação pública. O investimento total na área correspondia a 6,4% do PIB em 2012, último dado oficial divulgado. Segundo estimativas do governo federal, os recursos do pré-sal para a educação podem superar R$ 100 bilhões em dez anos.
Há tempos, empresários criam suas próprias instituições pedagógicas, em uma tentativa de amenizar o déficit educacional no País e superar um gargalo profissional que também prejudica suas próprias demandas por funcionários.
Criada em 1956, a Fundação Bradesco é um dos maiores e mais antigos programas de responsabilidade social do Brasil. Em 1962, foi inaugurada a primeira escola da entidade, o Grupo Escola Embaixador Assis Chateaubriand, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, com sete professores e 289 alunos.
Hoje, são 40 escolas em todo o País que oferecem gratuitamente Educação Infantil, Ensinos Fundamental e Médio, Educação Profissional Técnica de Nível Médio, Formação Inicial e Continuada e Educação de Jovens e Adultos, com prioridade para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
No ano passado, 105.177 estudantes foram matriculados e a previsão orçamentária foi de R$ 523 milhões. Em 2013, o índice de aprovação escolar na Educação Básica foi de 95%.
A maioria das escolas está instalada em regiões carentes e os três principais requisitos para ingressar são: residir o mais próximo da escola, comprovação de baixa renda familiar e o idade do aluno ser compatível com o ano pretendido. As aulas são dividas em três turnos: manhã, tarde e noite.
O empresário que dá nome à Fundação Salvador Arena, fundador da Termomecanica, também resolveu se envolver na área da educação. Com o projeto de melhorar a educação pública do Brasil, Salvador tentou produzir material didático para oferecer às escolas, mas não houve interesse do governo. Foi quando decidiu criar o seu próprio colégio, em São Bernardo do Campo, município de São Paulo, em 1989.
Atualmente, no Colégio Termomecanica são atendidos 1.800 alunos na Educação Básica. O processo de entrada na Educação Infantil acontece por sorteio da loteria federal. Os interessados se inscrevem e recebem um bilhete numerado. Metade das vagas é dedicada a famílias que ganham até um salário mínimo por pessoa.
O ensino é integral e oferece diversas aulas extracurriculares, como agricultura, cerâmica e modelismo. O índice de reprovação em 2014 foi de 1%, mas quem não consegue passar de ano é obrigado a sair da escola.
Os investimentos da fundação voltados para a educação ultrapassam os R$ 40 milhões por ano, gastos na Educação Básica, no Ensino Técnico e no Ensino Superior.
Segundo a diretora pedagógica do colégio, Cristina Favaron Tugas, a metodologia segue uma linha humanista. “Todos os anos do Ensino Básico têm aulas de Filosofia, por exemplo, para que os alunos reflitam sobre questões éticas e morais”.
Também foi criada a Faculdade de Tecnologia Termomecanica, na qual estão matriculados 600 estudantes. São oferecidos cursos gratuitos nas áreas de Engenharia de Controle, Engenharia de Alimentos, Administração, Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Tecnologia em Mecatrônica Industrial e Processos Gerenciais. Desde a criação da faculdade, em 2002, 1.276 profissionais foram formados.
“Existe um déficit educacional no Brasil e recrutar pessoas qualificadas em qualquer área é complicado. Para a empresa, é ótimo criar esses projetos pedagógicos porque formamos profissionais que podem ser aproveitados na nossa área”, diz Cristina.
A Fundação Lemann também tem papel de destaque entre as iniciativas empresariais. Um dos projetos, que está em ação há mais de dez anos, se dedica a desenvolver cursos gratuitos de formação continuada para profissionais da rede pública de educação, como professores, diretores de escolas e coordenadores pedagógicos. Em 2014, cinco mil profissionais foram formados. De acordo com a assessoria da fundação, a expectativa é de que esse número suba para 15 mil em 2015, graças ao apoio de plataformas digitais.
O programa de Técnicas Didáticas é feito para professores e aborda questões práticas do dia a dia da sala de aula, como planejamento estruturado de cada aula, gerenciamento de tempo, melhoria do ambiente escolar e utilização da leitura em todas as disciplinas.
O módulo Gestão para a Aprendizagem é voltado para diretores e coordenadores pedagógicos, e busca promover uma gestão eficiente e fortalecer uma cultura de altas expectativas de aprendizagem para todos os alunos.
O Ensino Híbrido, primeiro curso sobre o tema do País, oferecerá, a partir de março deste ano, ferramentas e recursos para professores trabalharem a personalização do ensino, utilizando a tecnologia para benefício do aluno.
Outra iniciativa renomada é o Centro de Educação Científica, projeto do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra, criado pelo célebre neurocientista Miguel Nicolelis. Tendo como público-alvo alunos do 6o ao 9o anos, que necessariamente frequentam a escola pública, a ideia é descentralizar a produção científica no Brasil e trabalhar com estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “Mais importante do que formar cientistas é formar cidadãos críticos e atuantes na realidade”, diz Dora Montenegro, diretora dos Centros de Educação Científica do Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont, órgão responsável pela gestão das unidades.
A primeira unidade foi construída em Natal em 2007 e atende 600 alunos. No mesmo ano, foi aberta a unidade de Macaíba, município do Rio Grande do Norte, no qual estão matriculados 400 alunos. Em 2010, criou-se a terceira unidade do projeto, em Serrinha, na Bahia, com mais 400 estudantes. Para manter os três centros, são gastos, em média, R$ 485 mil mensais.
Os alunos frequentam o espaço duas vezes por semana, no período contrário ao da escola regular. “A média de alunos que terminam o 9o ano na escola pública e ingressam no Ensino Médio no Nordeste é de 52%. Entre os nossos alunos, é de 90%. Esse é o diferencial do nosso projeto. Quando o menino aprende a aprender e entende o real significado do conhecimento, ele continua os estudos e se mantém na escola.”
Para selecionar os alunos, é feito um sorteio com todos os interessados. Para completar vagas abertas ao longo do ano, estudantes são chamados por ordem de inscrição de acordo com listas de escolas públicas parceiras com o projeto. “Todo mundo tem a mesma oportunidade. O nosso espaço tem de corresponder à realidade da vida, com todos os tipos de pessoas”, explica Dora.
Em Natal, o Centro de Educação Científica fica na Zona Oeste, região mais pobre da cidade, para atrair alunos das escolas públicas dos arredores. Em Macaíba, têm prioridade de ingresso os alunos com maior dificuldade de aprendizado, por orientação do secretário municipal de Educação. Situada na Zona Rural, a escola também atende estudantes de assentamentos e quilombolas. Na unidade de Serrinha, metade das vagas é reservada para alunos dessa área.
De acordo com Dora, a metodologia do projeto é baseada na aplicação prática do aprendizado. “Começamos sempre a partir do conhecimento do aluno e relacionamos isso à sua vivência. Problematizamos o conteúdo, levantamos uma hipótese, fazemos uma investigação e os alunos aprendem a sistematizar o conhecimento.”
São dadas diversas oficinas relacionadas à ciência, cada uma com dois professores. São 25 alunos por oficina, avaliados não por uma nota média, mas por objetivos propostos pelos professores de cada disciplina. Ninguém é reprovado. “Todo aluno é capaz de aprender. A ideia é que ele aproveite o máximo e, se tiver vontade, pode até refazer a oficina. Nosso grande desafio é fazer com que esses meninos se expressem tanto oralmente quanto por escrito com ideias originais, para que possam propor mudanças na própria realidade”, diz Dora.
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