O Estádio Nacional do Chile, palco da abertura e da final, que acontecerá este sábado (4), da Copa América 2015, nem sempre foi um reduto de alegrias e festejos como será nesta tarde, quando Argentina e Chile se enfrentarão para decidir o título. Há cerca de 41 anos entraria em vigor um regime autoritário que mudaria por completo tanto a situação do país sul-americano, como o próprio estádio, que se transformaria num enorme instrumento de repressão da Ditadura Militar chilena.
Em 11 de setembro de 1973, conhecido como ‘o setembro negro’ pelos chilenos, subia ao poder, através de um golpe de estado que derrubou e matou o socialista Salvador Allende, o general Augusto Pinochet, que iniciaria um dos períodos mais aterrorizantes da história do Chile. Com o militar no comando do país, o Estádio Nacional se transformou num enorme centro de tortura e campo de concentração para presos políticos.
O estádio foi construído em 1918, na região de Ñuñoa, em Santiago, e é considerado o primeiro centro de detenção da era Pinochet. Nos dois primeiros meses de funcionamento, estima-se que pelo menos sete mil pessoas foram detidas no campo, e mais 400 foram assassinadas. Durante o regime ditatorial, que vigorou de 1973 a 1990, foram mais de três mil pessoas assassinadas e 28 mil prisões de “opositores do regime”.
Curiosamente, foi no futebol a primeira grande derrota do governo de Pinochet. A Copa do Mundo de 1974 foi disputada na Alemanha Ocidental. O Chile enfrentou a União Soviética pela repescagem, num último suspiro para tentar jogar a competição. O jogo de ida, na URSS, empatou sem gols, e o Chile dependia apenas de uma vitória em Santiago para ir à Copa. Porém, poucos dias antes da partida os russos enviaram uma carta afirmando que não iriam viajar por questões políticas e de segurança.
A Fifa então ordena que os chilenos entrem em campo mesmo sem equipe adversária e marquem um ‘gol simbólico’, num dos episódios mais traumáticos da história do futebol. Os 11 titulares então subiram na grama, o árbitro deu o apito inicial e o capitão da seleção Francisco ‘Chamaco’ Valdés anotou o único tento da trágica ‘partida fantasma’. Os torcedores que haviam pago ingresso para assistir a esta partida foram recompensados com um jogo entre a seleção chilena e o Santos de Pelé, em outro episódio peculiar que culminou num massacre do alvinegro por 5 a 0, no mesmo Estádio Nacional, em uma amostra de condescendência com o regime militar por parte da Fifa.
A repressão e a violência as quais o Estádio Nacional estava submerso vitimaram milhares de pessoas, mas uma delas é considerada até hoje como a mais emblemática deste episódio. O jornalista norte-americano Charles Horman era repórter freelancer no Chile quando o trágico golpe de estado culminou no empoderamento de Pinochet. Horman era simpatizante de Allende e próximo de militares norte-americanos. Foi traído pela sua própria nacionalidade.
Horman estava hospedado, no ano do golpe, na cidade litorânea de Viña del Mar, próximo a Valparaíso, região que supostamente teria tido um apoio maciço de militares e infraestrutura estadunidenses. Por sua proximidade com alguns militares, era certo que o jornalista tinha um conhecimento detalhado de como ocorreu a participação norte-americana no golpe chileno.
Para muitos este foi o verdadeiro motivo de sua perseguição e morte. Um fator agravante nesta questão foi a negligência das autoridades estadunidenses para com os familiares do jornalista assassinado. O governo dos Estados Unidos só reconheceu que teve participação na morte de Horman em 1980, após a viúva e o pai do jornalista entrarem com processos contra vários oficiais da administração de Richard Nixon, incluindo o diplomata Henry Kissinger. Até então a Central de Inteligência Americana (CIA) não reconhecia a morte do jornalista como proveniente de uma associação entre norte-americanos e o governo de Pinochet. Esta história foi relatada com primor no filme Missing (1982), que conta a história do jornalista e mostra a batalha da família de Horman para achar seu corpo e provar que sua morte fora causada por motivos políticos.
Apesar da história sangrenta, o Estádio Nacional continua sendo a principal ‘cancha’ do futebol do Chile. Oito regiões do estádio estão protegidas desde 2003, quando ele foi declarado Monumento Histórico do Chile. Para a Copa América deste ano, foi restaurada uma das tribunas mais traumáticos onde os presos ficavam reclusos, o Portão 8, que teve suas arquibancadas de madeira reconstruídas exatamente como eram em 1973.
O portão foi especialmente escolhido pois era o que mais agradava os presos na época, que conseguiam ser vistos por seus familiares os quais se reuniam em imensas filas do lado de fora do estádio. Atualmente, resta aos chilenos relembrar esta história para tentar enxergar o tamanho da cicatriz, e assim nunca mais permitir tamanha atrocidade com o país. Como diz o letreiro localizado bem acima do Portão 8, “Um povo sem memória é um povo sem futuro”.
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