Pedro Celestino, membro do Conselho de Administração do Clube de Engenharia, resume em uma palavra o que pensa sobre o ajuste fiscal conduzido pelo governo federal: “desastroso”. O engenheiro é candidato único à presidência da entidade, que existe desde 1880. A histórica instituição agrega engenheiros e técnicos com o objetivo de discutir questões relacionadas ao desenvolvimento nacional e a capacitação técnica dos engenheiros.
Para ele, a presidenta Dilma Rousseff sucumbiu aos interesses do mercado financeiro ao adotar a atual política econômica e o ajuste fiscal em período de recessão arruinará a economia brasileira. Celestino defende que a mudança de política econômica é a principal luta a ser travada neste momento. Há 42 anos à frente da Icoplan, empresa de consultoria de engenharia, Celestino gerencia obras de infraestrutura por todo o País.
Sobre a engenharia, ele diz que o setor sofre dois baques ao mesmo tempo: os cortes de investimento do governo e a Operação Lava Jato, que reforça uma campanha de fragilização da Petrobras e de destruição da engenharia brasileira. “Deve-se punir as empreiteiras que forem julgadas culpadas, mas sem destruí-las. A destruição das empresas significa levar para o ralo patrimônio tecnológico e gerencial acumulado ao longo dos últimos 60 anos. Significa desarticular um setor da economia essencial para a construção do Brasil e aumentar o desemprego.”
“Uma coisa é o combate à corrupção, que é desejável a todos. Outro aspecto é o objetivo de destruir empresas. Isso significa levar para o ralo patrimônio tecnológico e gerencial acumulados em 60 anos”
O empresário também alerta para a necessidade de se defender a Petrobras em meio à desmoralização da empresa brasileira: “Os grupos privados que controlam a energia no mundo têm interesse no petróleo brasileiro e o Pré-Sal é controlado pela Petrobras. É por isso que, na esteira da Lava Jato, o senador José Serra (PSDB-SP) propôs retirar a obrigatoriedade da Petrobras em ser operadora única do pré-sal. É para entregar o petróleo brasileiro. É isso que está em jogo.”
Brasileiros – Qual o impacto da Operação Lava Jato para a engenharia brasileira?
Pedro Celestino – É preciso separar as coisas. Uma é o combate à corrupção, que é desejável por todos, um aperfeiçoamento da governança, seja das empresas, seja dos órgãos públicos, e melhorias no funcionamento das instituições democráticas. Isso é saudável e fortalece nossas instituições, contribui para a consolidação da democracia no Brasil. Outro aspecto é o objetivo de destruir as empresas. A destruição das empresas significa levar para o ralo patrimônio tecnológico e gerencial acumulado ao longo dos últimos 60 anos. Significa desarticular um setor da economia essencial para a construção do Brasil. Toda a infraestrutura brasileira repousa nas empresas de construção pesada. Tudo que há por fazer ou manter depende das empresas de construção pesada, que são competitivas no mundo inteiro, atuam em mais de 40 países. O risco que se corre hoje é de, a partir desse combate à corrupção, que é correto, se destruir um setor. Vou dar um exemplo do que acontece quando isso ocorre nos EUA e na Europa. Os bancos americanos e europeus foram flagrados recentemente manipulando a taxa de juros básicos da economia mundial e a taxa de câmbio. Os bancos foram destruídos? Não. Seus dirigentes foram punidos, os bancos pagaram multas milionárias, mas continuaram funcionando. Tivemos os escândalos da Alstom, na França, da Siemens, na Alemanha, e as empresas estão lá. Pagaram pelos crimes, mas as empresas, que são patrimônio de cada um desses países, que têm uma responsabilidade social, que são responsáveis por milhares de empregos, foram mantidas. O que falta aqui é a preocupação em manter a empresa e o emprego. O que existe aqui é apenas a intenção de punir e destruir essas empresas, impedindo a participação delas em licitações, impedindo o acesso ao crédito, denegrindo o nome delas na mídia. Ninguém mais quer chegar perto dessas empresas.
E quanto aos ataques à Petrobras? O que está em jogo?
Para mim, a Lava Jato precisa ser olhada sob duas óticas: o propósito é combater a corrupção, mas o objetivo é fragilizar a Petrobras e destruir a engenharia brasileira. O que está debaixo disso tudo é o petróleo. O Brasil descobriu uma das maiores reservas mundiais de petróleo dos últimos 30 anos. Petróleo leve em um país que não tem guerra religiosa, não tem terror, que está perto dos mercados consumidores e tem uma empresa que controla esse petróleo. O que interessa é abrir a guarda para possibilitar o controle desse petróleo por empresas privadas estrangeiras. Os grupos privados que controlam a energia no mundo, que são Shell, Excel, Chevron e mais uma ou duas empresas, têm interesse no petróleo brasileiro e o pré-sal é controlado pela Petrobras. É por isso que, na esteira da Lava Jato, o senador José Serra (PSDB-SP) propôs retirar a obrigatoriedade da Petrobras em ser operadora única do pré-sal. É para entregar o petróleo brasileiro. É isso que está em jogo.
“Na esteira da Lava Jato, o senador José Serra propôs retirar a obrigatoriedade da Petrobras em ser operadora única do Pré-Sal. Grupos, que controlam a energia no mundo, como Shell, Excel, Chevron, têm interesse no petróleo brasileiro”
Qual a avaliação do senhor sobre o ajuste fiscal conduzido pelo governo federal e qual a perspectiva daqui para frente?
Desastroso. O ajuste fiscal sem crescimento não funciona. Não há possibilidade de arrumar a economia com elevação da taxa de juros absurda e com aumento da carga fiscal também absurda. Essa é a receita do desastre.
E qual o objetivo desse ajuste? Por que está sendo conduzido dessa forma?
A presidenta pretendeu atender ao mercado. Sucumbiu à pressão do mercado. Que mercado é esse? Não tem forma. É o mercado financeiro, que ninguém identifica quem é, que é submetido a interesses que não são nacionais. Esse ajuste, do jeito que está sendo conduzido, arruinará a economia brasileira. A grande mobilização que deve ser feita hoje é para mudar a política econômica e financeira.
Então a engenharia brasileira está sofrendo esses dois baques ao mesmo tempo, a Operação Lava Jato e o corte de investimentos com o ajuste fiscal?
Sofre. A Petrobras é a maior responsável por investimentos no Brasil dos últimos anos. Tem cerca de 15% a 17% dos investimentos, uma cadeia produtiva enorme, é âncora do desenvolvimento industrial brasileiro. A Petrobras atingida do jeito que está, por essas denúncias e por essa política que tem o objetivo de fragilizá-la, ficou paralisada. A Petrobras simplesmente parou, da noite para o dia, com os seus principais investimentos, que estavam quase prontos. Qualquer que tenha sido o rombo, o mais importante seria concluir os investimentos para gerar receita e se ressarcir dos investimentos que fez. Ela simplesmente parou vários investimentos de grande porte, com mais de 90% das obras concluídas. E a direção atual da Petrobras tem uma visão exclusivamente financeira, que também arruinará a empresa, porque ela não liga para as condições essenciais de sustentação de uma empresa de petróleo, que é aumento de produção e de reservas. A Petrobras hoje está procurando se livrar de ativos de produção, que geram caixa, e está deixando de investir em exploração, o que significa que, do ponto de vista econômico, vai se fragilizar ao longo do tempo.
O que pode ser feito para evitar essa previsão desastrosa?
O destino ainda não está traçado. O poder, na minha opinião, está em disputa. Existe uma ofensiva patrocinada por setores conservadores da sociedade, por essa elite que não se conforma com a ascensão social ocorrida nos últimos anos, uma ofensiva contra o governo, apoiada por interesses externos atrás do nosso petróleo e na mudança de rumo do País, para que deixe de ser um integrador da América do Sul, um País interessado em um mundo multipolar, e para que se submeta novamente à hegemonia das grandes potencias ocidentais, Estados Unidos e Europa. Isso é que está em jogo. Há uma ofensiva patrocinada por esses interesses, internos e externos, em que os setores que resistem estão perplexos. Estão fragilizados, sem ter muita orientação do que fazer. No meu modo de ver, o caminho para fazer isso é a luta contra a política econômica financeira.
“O ajuste fiscal sem crescimento não funciona. Não há possibilidade de arrumar a economia com elevação da taxa de juros absurda e com aumento da carga fiscal também absurda. Essa é a receita do desastre”
O senhor já assumiu a presidência do Clube de Engenharia?
Não, só assumo em setembro. Em meio a essa crise, está muito longe ainda (risos).
Qual a importância do Clube de Engenharia nesse cenário?
O interesse do clube é, acima de interesses partidários e setoriais, lutar pela afirmação da engenharia brasileira como ferramenta essencial para o desenvolvimento do Brasil, que é um País por construir, que depende da engenharia. A engenharia tem de estar presente nesse processo e é hoje alvo de uma campanha de descrédito, desmoralização, que vai tornar, caso haja uma retomada de investimentos, o nosso mercado em um pasto para as empresas estrangeiras.
O senhor assume a presidência em um momento difícil do setor. Por que aceitou esse desafio?
Muito difícil. Aceitei porque a minha trajetória política, que tem mais de 50 anos, sempre foi em defesa da democracia e dos interesses nacionais. Hoje, ambos estão ameaçados.
Qual foi a trajetória política do senhor? Já esteve em algum partido político ou no governo?
Minha trajetória começou no movimento estudantil, na PUC do Rio de Janeiro, nos anos 1960. Depois, como engenheiro, fui processado duas vezes pelo regime militar, absolvido em ambas. Passei um ano e meio na cadeia, não fui anistiado porque fui absolvido. Não requeri indenização alguma e minha trajetória sempre foi ligada à questão democrática e nacional. São 50 anos do mesmo lado. A minha participação no governo se resumiu a ser parte do Conselho de Administração da Infraero, entre 2009 e 2011. Renunciei ao conselho por discordar da política da presidenta Dilma em relação ao setor aeroportuário brasileiro. Redigi um relatório contestando essa política, foi aprovado pelo conselho da Infraero, encaminhei-o às autoridades competentes, à Presidência da República, à presidência da Câmara, do Senado, ao ministro Nelson Jobim e renunciei ao mandato. Discordei porque é uma política que não leva em conta o interesse nacional.
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