Por que a aprovação da redução foi comemorada como um gol?

A principal derrota da sociedade brasileira nesta semana foi, definitivamente, a aprovação do relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF), que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal para crimes graves. Mais assustadora ainda foi a comemoração dos nobres parlamentares que, ao fim da votação da comissão especial que tratava do assunto, entoaram exaltados o tradicional cântico “eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. A questão é, de onde veio tamanha felicidade dos deputados visto que a medida pretende encarcerar adolescentes?

Obviamente não cabe a ninguém monitorar onde e quando comemorações podem ser feitas, independente de sua intensidade. Contudo, é visível que existe uma necessidade de compostura e respeito à dignidade humana, ainda mais em uma casa legislativa, virtudes deixadas de lado pelos deputados. Vale ressaltar que os parlamentares que estavam mais inflamados são pertencentes à bancada religiosa, algo tão contraditório quanto estarrecedor.

Em contato com a reportagem de Brasileiros, o médico psiquiatra Otávio Dutra de Toledo descreveu como “absurda” a reação dos congressistas após a divulgação do resultado. Para ele, as comemorações são fruto de uma visão imediatista, que não está pensando nas consequências desta decisão. “Os políticos estão enxergando a decisão apenas em curtíssimo prazo. Eles não estão pensando nos rumos da nossa sociedade, em como as coisas vão funcionar daqui pra frente, e sim na próxima eleição.”

Para o psiquiatra existe um entendimento da comunidade médica de que a criminalização do indivíduo, seja ele de qualquer idade, não é a solução. “É mais do que consenso que a prisão não é lugar de reeducação nenhuma. Se nós olharmos a psicologia do desenvolvimento do adolescente, é algo muito definitivo para uma pessoa não ter o direito à uma segunda chance em um momento da vida em que se é muito prepotente.”, explicou.

Outra questão a ser levantada é a pouca discussão em torno de um tema tão profundo. Foram menos de três meses entre a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 171/1993 na Comissão de Constituição e Justiça e a aprovação do relatório do deputado Laerte Bessa na comissão especial. À Brasileiros, a professora de Ciências da Educação da Universidade de São Paulo, Lisandre Maria Castello Branco, afirmou que um assunto desta relevância não poderia ser tratado da forma que foi. “Se este assunto tivesse sido amplamente discutido, provavelmente ele não seria objeto de uma votação.”, disse a professora.

Lisandre também explicou a comemoração dos deputados após a aprovação da medida: “Foi uma comemoração de um bando de irresponsáveis, infantil e degenerada. Comemoraram como se fosse um gol no Campeonato Brasileiro porque estamos vivendo uma situação política em que a governabilidade está totalmente comprometida pela cisão brutal entre legislativo, executivo e judiciário.”, argumentou. “Mas era uma comemoração previsível, daquela casa eu não podia imaginar que houvesse o mínimo de compostura.”

De acordo com a professora, o festejo pela redução é reflexo da opinião pública, que está apoiando maciçamente a criminalização de jovens de 16 anos. Para ela, o anseio pela redução está diretamente atrelado aos problemas estruturais do País: “A insatisfação com as condições em que o Brasil se encontra é imensa, e cada um vai manifestar seu mal-estar, seu desconforto, sua desilusão com os recursos que tem.”, elucidou.

Existe ainda, em torno da redução da maioridade penal, uma grande responsabilidade da mídia, que não conduz uma discussão complexa sobre o assunto e fomenta certo ódio aos jovens que cometeram crimes. Para Lisandre, é importante que os meios de comunicação levantem questões sobre o assunto, principalmente em relação à seletividade do judiciário de acordo com a origem social do réu: “Por que o Thor Batista atropelou, matou, não prestou socorro, fez tudo de errado e não foi preso? A mídia deveria conduzir o debate através da pergunta: ‘quem serão os menores que efetivamente terão sua maioridade penal reduzida’? Negros e pobres com certeza.” concluiu.

Confira a comemoração dos deputados no momento da decisão:

E os nobres parlamentares cantando após a decisão:

Eles seguiram para o plenário após a aprovação:


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