O Brasil reúne as condições mais importantes para ocupar posição de liderança no mercado internacional, mas tem alguns desafios de grande expressão pela frente. Este foi o ponto de convergência no painel do seminário Rumos da Economia Brasileira que teve como conferencistas dois professores de Economia e um empresário: Luiz Gonzaga Belluzzo, diretor da Faculdade de Campinas (Facamp) e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Ernesto Lozardo, professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP); e o empresário Joesley Mendonça Batista, presidente do Conselho de Administração do Grupo JBS.
Apesar das dificuldades específicas de 2011 – valorização da taxa de câmbio, pressão inflacionária e choque preços das commodities no mercado internacional –, os participantes apontam muitas vantagens do Brasil em relação aos países desenvolvidos e prescrevem mudanças a serem feitas para garantir uma posição de destaque no cenário global.
O nó da taxa de câmbio Luiz Gonzaga Belluzzo
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Diretor da Faculdade de Campinas (Facamp), da qual é sócio-fundador, e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi assessor econômico do PMDB (1974-1992), secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo da Nova República (1985-1987), secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (1988-1990). Em 2001, foi incluído no Biographical Dictionary of Dissenting Economists entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX. Recebeu Prêmio Intelectual do Ano (Juca Pato) 2005. É sócio e consultor editorial da revista Carta Capital desde 1996. |
Preocupado com a entrada maciça de capitais estrangeiros no Brasil, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo defende a intensificação de medidas econômicas para conter a entrada de dinheiro do exterior. “O risco de uma reversão é muito grande”, enfatiza, lembrando as experiências dos anos 1980 e do final dos anos 1990, quando um descasamento de moedas provocou o desequilíbrio nos balanços de bancos e empresas. “Caem a renda real, o consumo, investimento e a economia entra em recessão”, adverte. Para ele, a entrada maciça de capitais termina com “choro e ranger de dentes”.
Em relação às mudanças estruturais da economia mundial, Belluzzo relembra que o Brasil foi beneficiário da transformação que começa no pós-guerra e prossegue com a transnacionalização do mercado asiático e, sobretudo, da China. Hoje, diz o professor, a liderança manufatureira em nível mundial se deslocou para a China e há a conformação de uma nova divisão do trabalho, da qual o Brasil participa cada vez mais como exportador de produtos com base em recursos naturais., e uma modificação acentuada na pauta de exportações do Brasil. “Como uma economia manufatureira, nós perdemos participação, e isso não é bom para um País que ainda é emergente.”
O economista enfatiza que o choque de commodities no mercado internacional se dá porque o mundo está “encharcado de liquidez”. Em parte, o Brasil se beneficia da evolução das cotações internacionais dos grãos porque é um grande exportador desses produtos. No entanto, a maioria da população sofre mais, pois “a inflação é mais pesada para uns do que para outros”, explica Belluzzo.
Quanto ao futuro, o economista afirma que: “Precisamos escolher qual tipo de economia nós queremos, que tipo de sociedade queremos”. Ele foi contundente ao falar sobre o petróleo da camada Pré-Sal e seus riscos. “O Pré-Sal pode ser a nossa salvação ou maldição”, preconiza, lembrando que a boa expectativa em relação aos projetos que envolvem a exploração do petróleo podem se tornar motivo de desindustrialização. Mas mantém o otimismo. “Precisa ser muito ruim para errar daqui para a frente”, afirma.
A visão de quem está na linha de frente
JOESLEY MENDONÇA BATISTA
Presidente do Conselho de Administração da JBS S/A, a maior produtora de proteínas do mundo, com operações no Brasil, Estados Unidos, Argentina, Paraguai, Uruguai, Austrália, Rússia e Itália, entre outros países. A companhia teve receitas líquidas de R$ 55 bilhões em 2010. Entre suas atividades, o Grupo JBS atua também nas áreas de lácteos, biodiesel, couro e colágeno. Filho mais novo de José Batista Sobrinho, fundador do Grupo JBS, Joesley trabalha para Grupo JBS desde 1988. Com mais de 20 anos de experiência na indústria da carne, tornou-se CEO da JBS S/A, em 2006, e permaneceu no cargo até o início de 2011. |
O empresário Joesley Mendonça Batista, presidente do Conselho de Administração do Grupo JBS, o maior produtor de proteínas do mundo, com 140 fábricas espalhadas pelo Brasil, Estados Unidos, Argentina, Paraguai, Uruguai, Austrália, Rússia e Itália, e centros de distribuição em vários países. Cerca de 75% de todas as suas atividades são desenvolvidas no Exterior. É, portanto, uma importante testemunha dos movimentos que vêm acontecendo no mercado internacional.
Segundo Batista, os países emergentes, que puxam o crescimento da economia mundial, eram chamados de Terceiro Mundo, 20 anos atrás. Mas essa não foi a única mudança. “Nos últimos 25 anos, países que eram fechados estão se abrindo e se consolidando”, e acrescenta como vantagem brasileira nesse contexto: “A combinação de capital e democracia é muito poderosa”.
A JBS caracterizou-se por sua agressividade na aquisição de concorrentes no mercado internacional, entre eles a Swift e a Pilgrim’s Pride. “O mundo está cada vez mais globalizado. Por que sermos comprados? Por que brasileiro não pode comprar?” Para ele, avançar e adquirir empresas no exterior é uma estratégia fundamental para garantir espaço ao País na nova configuração internacional. Ter mais multinacionais significa exercer o domínio pelo poder econômico e as empresas costumam influenciar as decisões políticas e econômicas. “No final do dia, o dividendo vai para o país de origem do capital”, complementa.
Na análise de mercados, ele diz que a Europa tornou-se uma região muito difícil e complicada para os negócios. Os Estados Unidos, mesmo com as dificuldades atuais, são uma “máquina que funciona”. Ele conta que no grupo que dirige: “Ficamos muito de olho na economia americana e chinesa”.
Na opinião de Batista, o Brasil tem vários desafios que precisam ser enfrentados para garantir seu espaço, tanto em infraestrutura como Educação. “Temos de investir agora para colher daqui a 20 anos. Precisamos melhorar a nossa produtividade e qualificar a mão de obra”, recomenda. Essencial também é prestar atenção às variações internacionais. “Não enxergamos o mundo parado. Enxergamos o mundo numa dinâmica”, conclui, com a autoridade de quem comanda uma empresa que tem 140 mil funcionários, sendo 70 mil nos EUA.
O que deu certo e o que pode dar errado
ERNESTO LOZARDO
Professor de Economia na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. É autor de vários livros, o último tem como título Globalização: a Certeza Imprevisível das Nações. Foi secretário de Planejamento, Economia e Gestão do Estado de São Paulo. Foi presidente da Prodesp e criou o Info São Paulo, hoje conhecido como Poupa Tempo. Como economista, trabalhou no Banco Mundial, foi diretor da Caixa Seguros e dirigiu empresas públicas e privadas. É membro do Conselho de Administração de empresas privadas e consultor de empresas. |
Sem uma política industrial, tributária e cambial integradas, que vise ao fortalecimento e à competitividade internacional, em poucos anos haverá uma redução expressiva na participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB). E já há sinais de que isso está acontecendo. A composição da indústria no PIB, que foi 27,8%, em 2000, e subiu para 29,3%, em 2005, já caiu para 26,8% em 2010. O alerta é do professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ernesto Lozardo.
Para o professor, as receitas de política econômica do passado já não têm mais sentido em um mundo globalizado. As reformas a serem feitas devem ser norteadas pelo conceito de inserção global que tornem o Brasil mais competitivo, produtivo e com elevados índices de educação. Ele sugere a busca de alianças comerciais, científicas, estratégicas com países que agreguem valor à capacidade de crescimento do País.
O crescimento econômico com estabilidade e competitividade está condicionado a quanto o mercado interno será inserido na economia global, explica o professor. “A força do mercado interno depende da nossa capacidade de abri-lo para o exterior”, afirma o economista. Para isso, as políticas fiscal, tributária e cambial brasileiras têm de ser compatíveis com aquelas existentes nos outros países e os recursos humanos aptos a enfrentar os desafios da globalização. “Nós estamos em um mundo globalizado, competitivo, próspero e incerto”, salienta.
O professor Lozardo faz também uma análise da situação dos principais participantes da economia internacional e da posição do Brasil em relação a Estados Unidos e União Europeia. Lembra que, nos últimos quatro anos, o País apresentou taxas de crescimento mais elevadas do que a média de incremento do PIB mundial, tendência que, segundo ele, será mantida até 2013. Entre os avanços que ele considera importantes estão a melhora na distribuição de renda com a queda do Coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de renda), de 0,62% (em 1995) para 0,48% (em 2010). Além disso, afirma que a informalidade diminuiu 20 pontos percentuais e a População Economicamente Ativa (PEA) subiu 10 pontos percentuais. O número de miseráveis diminuiu em mais de 15 milhões, mas ainda restam 15 milhões, o que ainda nos deixa na posição de “uma das piores nações do mundo em distribuição de renda”. Outro indicador citado pelo professor Lozardo mostra a grande diminuição nas taxas de mortalidade infantil, ocorrida nos últimos 20 anos.
Os países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos e as nações mais ricas da União Europeia, passam por um momento delicado e de perda em sua hegemonia global. “Os Estados Unidos perderam poupança privada e pública, as famílias estão quebradas e o socorro financeiro inviabiliza o crescimento econômico. Os Estados Unidos devem US$ 49 trilhões, o correspondente a quatro quintos do PIB mundial de US$ 58 trilhões.” A situação da União Europeia não é menos complicada. “Com o desajuste tributário entre os países, a União Europeia não tem, na verdade, moeda única. O euro tornou-se uma camisa de força e eles não têm saída para o crescimento. Será preciso reinventar o euro”, diz o economista.
Com o dólar e o euro em uma situação mais frágil e de risco, a tendência é o mercado internacional começar a operar com mais moedas, entre elas o real. É nesse cenário, em que novos atores ganham espaço, que o Brasil surge como um forte protagonista do crescimento internacional. “Nós não podemos perder o norte de que seremos um líder global”, enfatizou o economista.
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