Para o coordenador executivo do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), professor Mario Sergio Salerno, “o problema da inovação no Brasil está na empresa e não na universidade”. Ele se propôs, em sua palestra, “a fazer cinco provocações sobre questões que têm a ver com inovação”.
A primeira delas aborda o conflito entre empresa e universidade. “Não adianta cobrar inovação da universidade. Ela não é feita para isso. A universidade é feita para formar gente, para desenvolver ciência. Quem inova é a empresa. Mas não a empresa em si. Nós temos uma estrutura industrial cuja maior parte das cadeias produtivas está fora do Brasil. Isso significa que o processo de desenvolvimento do produto está fora do Brasil. Isso vem desde o governo Juscelino nos anos 1950”, diz.
Segundo o professor, “uma das características do plano de metas de Juscelino deixou a governança de importantes cadeias produtivas industriais, como a automotiva, para as empresas transnacionais que, com honrosas exceções, desenvolvem fora. O Brasil tem hoje um pacote bastante amplo de ferramentas de incentivo à inovação, coisa que até alguns anos atrás não tínhamos. Em 2003, o governo lançou um conjunto de diretrizes que deu incentivos fiscais para as empresas realizarem atividades de pesquisa e desenvolvimento, e aí a coisa andou”.
Ora “provocação” refere-se às compras governamentais. “É a ferramenta básica que países da Europa, os Estados Unidos e países asiáticos usam para o desenvolvimento. Alguém tem alguma dúvida de como os sistemas do trem-bala foram desenvolvidos na Alemanha, na França, na Coreia, no Japão, na China? Alguém bancou. Não foram as empresas ferroviárias”, assegura.
Nessa mesma linha, afirma que “até muito pouco tempo atrás, o Ministério da Saúde não conseguia encomendar vacina contra malária, por exemplo. Para fazer a encomenda, teria de fazer uma licitação. Quem ganhasse e não entregasse a vacina poderia ser condenado a devolver tudo que o poder público investiu. Não tinha interessados. É atividade de risco. Pode dar certo ou não. Por que entrar em um negócio que, se a empresa não conseguir desenvolver, tem um enorme risco? A empresa tenta desenvolver a vacina há décadas e, se não consegue, precisa devolver o dinheiro? Não faz sentido. A política de incentivo à inovação é baixar custo e reduzir risco. É isso. Agora, dá para começar a estabelecer programas com relação às compras governamentais”.
Os programas multi-institucionais são o tema da terceira “provocação” de Salerno. Ele ressalta que o Brasil não tem tradição nesse tipo de programa. “Cada órgão tem ação própria e competência própria, de forma que é muito difícil juntar Finep, Fapesp, CNPq, etc. sob um mesmo programa”, diz.
Um exemplo ditado por Salerno refere-se à tecnologia de estruturas leves, como a fibra de carbono, “que o Brasil domina pouco. Uma parte da exploração em águas profundas precisa de materiais muito resistentes, tenham certa flexibilidade e, sobretudo, sejam muito leves. Quando a Petrobras passou de 800 metros de profundidade na exploração, precisou trocar as âncoras das plataformas. Então, desenvolveu com a Cordoaria São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, um sistema de cordas de nylon, material sintético muito mais leve que o aço tradicional. Agora, nem essas cordas de nylon servem mais. É preciso um material sintético como a fibra de carbono. O Brasil não tem competência nessa área. Na aeronáutica, quem tem é a Boeing, a Airbus e a Bombardier, e nenhuma delas vende. Se queremos ter industria aeronáutica, ou desenvolvemos um programa desses ou estaremos fora em 10 ou 15 anos”.
Ele acrescenta que foi criado um laboratório de estruturas leves, coordenado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São José dos Campos (SP). O IPT, para se articular com a Finep e a Fapesp “perde um tempo enorme. No Brasil, não existe um fundo intergovernamental como existe na França, por exemplo, para fazer esses grandes projetos”, afirma.
Outro desses temas são as patentes. “Falamos muito da falta de patentes, mas o Brasil tem poucas patentes, entre outras coisas, porque a estrutura industrial brasileira tem lacunas nas áreas em que mais se patenteiam no mundo. Tecnologias de comunicação e informação, diversos tipos de eletrônica, principalmente eletrônica de consumo, e a indústria de química fina, que inclui os fármacos, esses são os grandes patenteadores. Como o Brasil tem lacunas nessas áreas, patenteia pouco”, esclarece.
A última provocação do professor Salerno se refere às diferenças entre empresas nacionais e transnacionais. “O esforço para inovar é maior nas empresas de capital nacional que nas transnacionais. Se pegarmos o valor bruto, as nacionais despendem mais em pesquisa e desenvolvimento. A empresa nacional faz um esforço 81% maior que a transnacional no Brasil. Todas as pesquisas que já foram feitas mostram que aumenta o investimento em pesquisa e desenvolvimento nas empresas a partir de incentivos públicos”, afirma.
No final do segundo governo FHC, diz ele, o financiamento para ciência estava cadente, “o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) estava todo voltado para baixo. Os fundos setoriais simplesmente repuseram o recurso para o financiamento de ciência. Eles são usados para financiar ciência e são capturados pelos cientistas. Não são usados para financiar inovação. Inovação é um processo. Um processo organizável, gerenciável dentro das empresas. E o desempenho da atividade inovadora da empresa depende muito da forma como ela se organiza”.
Segundo o professor, “as empresas no Brasil normalmente têm uma estrutura hierárquica e uma cultura hierárquica muito fortes. São muitos níveis organizacionais. Só que um conjunto imenso de trabalhos associa o desempenho da empresa e, mais recentemente, o desempenho inovador da empresa, às estruturas menos hierárquicas. No Brasil de anos atrás, um conjunto de sindicatos fez uma série de reivindicações para reduzir as estruturas hierárquicas, e as empresas foram contra. Culturas menos hierarquizadas têm a ver com mais inovação, maior autonomia no trabalho, e isso pressupõe melhores salários”.
Para o professor Mario Sergio Salerno, “qualquer política industrial relevante no Brasil passa pela inovação. Não tem outro jeito. Isso significa articular um sistema para que as empresas inovem mais”.
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