“Quem conquistar a classe C ganha a eleição”, diz Meirelles

Renato Meirelles: "quem conquistar a classe C ganha a eleição". Foto: Patrícia Cruz
Renato Meirelles: “quem conquistar a classe C ganha a eleição”. Foto: Patrícia Cruz

Renato Meirelles é presidente do Data Popular, instituto voltado ao estudo das classes emergentes, colunista da Brasileiros e coautor do livro Um País Chamado Favela. Nesta entrevista, ele comenta o cenário eleitoral brasileiro, às véspera do segundo turno.

Brasileiros: É possível dizer em qual candidato vota cada classe econômica?

Renato Meirelles: Sim. As classes D e E votam majoritariamente na Dilma (Rousseff); as classes A e B, no Aécio (Neves). Quem ganhar a classe C vence a eleição.

Brasileiros: Qual é o nível de renda da classe C?
Renato Meirelles: De R$ 320,00 a R$ 1.120,00 por pessoa da família. Isso não é salário, mas renda per capita.

Brasileiros: Esta classe C tende a um voto mais conservador, leia-se PSDB, ou progressista, no PT?
Renato Meirelles: Quando você tem uma candidatura que está há 12 anos no governo, os conceitos de conservador e progressista mudam um pouco. Para muitos, conservador é quem está no poder. No passado, a classe C votou no PT, quando a economia estava crescendo. Este segmento votou na Dilma nas últimas eleições e acreditou no Lula, que prometia um crescimento de dois dígitos. Mas sofreu com a crise econômica nos últimos quatro anos. Estes eleitores ficaram meio frustrados com o desempenho da economia. A renda cresceu, mas não na velocidade que esperavam.

Brasileiros: Então, a ascensão da classe C nos últimos 12 anos não assegura a fidelidade ao PT?
Renato Meirelles: A distribuição de renda por si não assegura votos ao PT. Prova disso é que quem ascendeu socialmente – a classe C – hoje está dividido.

Brasileiros: O cenário econômico será decisivo para o resultado da eleição?
Renato Meirelles: Não tenho nenhuma dúvida disso. Do ponto de vista da candidatura do Aécio, o lado favorável é a inflação mais alta e o baixo crescimento do PIB. Da Dilma, o número de empregos formais é o ponto forte.

Brasileiros: No primeiro turno, houve mais de 27 milhões de abstenções, ou 19,39% do total de votos. Este número tende a crescer no segundo turno? Isso desfavorece a presidente Dilma?
Renato Meirelles: A abstenção foi maior nas regiões do País em que Dilma tem um desempenho melhor, em locais muito pobres. Esta questão da abstenção é muito importante. O governador de Brasília, Agnelo Queiroz (PT), cidade onde Aécio tem intenção de voto bem maior, antecipou o feriado do servidor público de terça-feira (28) para segunda-feira (27), de certa forma facilitando a abstenção, pois os eleitores tenderiam a viajar. De forma semelhante, em São Paulo – onde Aécio tem mais votos do que Dilma -, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) adiou para quinta-feira (30) a comemoração deste feriado.

Brasileiros: Pesquisa feita pelo Data Popular recentemente indicou que 30% dos entrevistados não confiam nos candidatos que disputaram a Presidência neste ano. Isso porque a classe política está afastada da realidade das pessoas. Como fazer a aproximação com os eleitores?
Renato Meirelles: Primeiro, é preciso retomar o conceito de democracia participativa, conversar com o eleitor, ouvir opiniões. Segundo, é cuidar da linguagem. Vou dar um exemplo: ninguém sabe o que é centro da meta de inflação (é de 4,5%, definido pelo Banco Central. A meta pode variar dois pontos acima e abaixo deste percentual). É preciso traduzir isso para que as pessoas compreendam. Eu acho que exemplos reais sempre funcionam melhor do que estatísticas. O ex-presidente Lula fazia isso com uma competência impressionante. Ele tinha o dom de levar ao cotidiano temas macroeconômicos, que a dona de casa e o pai de família entendiam.

Brasileiros: As campanhas deste ano foram muito pesadas, agressivas, de ambos os lados. Houve pouca discussão sobre projetos. O senhor acha que isso leva o eleitor a votar nulo e branco, ou mesmo se abster?
Renato Meirelles: Isso sem dúvida afasta o eleitor da política.

Brasileiros: Os indecisos somam hoje 6% dos eleitores. Eles podem definir a eleição? Devem se decidir até domingo?
Renato Meirelles: Quinze por cento dos brasileiros afirmam decidir seu voto na última hora. O debate de sexta-feira vai exercer um papel fundamental para esta definição.

Brasileiros: Nos últimos meses, dois conceitos jocosos têm proliferado nas redes sociais: esquerda caviar e direita pão com ovo. O primeiro diz respeito às classes mais abastadas de orientação política à esquerda. O segundo, aos mais pobres que norteiam suas escolhas mais à direita. É possível explicar por que este fenômeno ocorre?
Renato Meirelles: Isso significa que os blogueiros deveriam ser propositivos e discutir coisas mais importantes. Não é esta a discussão que tem de ser feita. Não acho que alguém é melhor ou pior por ter ou não ter dinheiro. Nem que ser de direita seja prerrogativa dos ricos e de esquerda, dos pobres. Não acho que essa divisão entre esquerda e direita faça sentido na cabeça das pessoas.

Brasileiros: Em toda eleição, voltam as preocupações, por parte do eleitorado, sobre a lisura na apuração dos votos e a credibilidade das urnas eletrônicas. Isso ainda faz sentido?
Renato Meirelles: Eu confio na urna eletrônica, na tecnologia desenvolvida no Brasil. Isso poderia acabar se houvesse um comprovante, em papel, de que o eleitor votou. É um tipo de medida simples que não daria margem a esses boatos.

Brasileiros: O cenário atual é similar ao registrado em 1989, durante a disputa entre Fernando Collor e Lula?
Renato Meirelles: Tem uma semelhança no que diz respeito ao tom, ataques pessoais que têm sido feitos, assim como acusações de nepotismo. Aécio acusa o irmão de Dilma de ter emprego sem trabalhar. Dilma acusa a irmã de Aécio de ter cargo fantasma. Novamente, isso em nada contribui para o debate e afasta o eleitor.

Brasileiros: Se o voto não fosse obrigatório no Brasil, daria para dimensionar qual seria a participação dos eleitores?
Renato Meirelles: O Datafolha fez esta pesquisa. Se não fosse obrigatório, 46% dos pesquisados não compareceriam às urnas, o que fatalmente influenciaria nos resultados. Eu defendo o voto obrigatório.

Brasileiros: Por que?
Renato Meirelles: Na prática, o voto obrigatório faz com que o Estado brasileiro insista na redução da desigualdade econômica, porque os eleitores mais pobres são a maioria. Não é o ideal, mas é importante.

Brasileiros: Que reflexo têm as jornadas de junho nas eleições?
Renato Meirelles: As jornadas tiveram um grupo muito heterogêneo. Havia uma parcela das classes A e B revoltada, pela falta de crescimento econômico. Havia uma parte da classe C, que também estava insatisfeita com a economia. Havia gente com cartazes com a palavra de ordem Fora, Feliciano! Outros continham dizeres diametralmente opostos. E todos estavam na mesma passeata. O que posso dizer é que a vontade de mudança permanece.


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