Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, a professora Sharyn Potter, da Universidade de New Hampshire (Estados Unidos) disse que os homens devem ser educados sobre o respeito às mulheres quando são crianças: deixar isso para a adolescência não funciona.
Segundo ela, “é muito tarde se deixarmos para educarmos os homens sobre o respeito às mulheres quando eles já são adolescentes ou jovens. Tarde demais. Você educa quando eles têm 4, 5, 6 anos. Ensina que meninos e meninas são iguais, que ambos precisam de respeito. Que em sociedade todos devemos nos respeitar e ajudar”.
Ela exemplifica: “Muitas escolas americanas ensinam as crianças desde pequenas a ajudar e salvar um coleguinha que tem alergia a amendoim. Aprendemos desde pequenos a chamar uma professora, um adulto, diante de uma reação alérgica. Por que não ensinar que, se uma menina está sendo importunada por um garoto, nós precisamos agir?”
Potter foi uma das especialistas em prevenção e combate à violência sexual chamadas pela Casa Branca para propor políticas públicas e campanhas para evitar o alto número de estupros nas universidades e nas Forças Armadas americanas.
Em sua entrevista à Folha, ela afirma que ficou horrorizada “com o que aconteceu no Rio de Janeiro. Se havia 30 homens no momento que a garota foi estuprada, por que não houve um só que ligasse as luzes, parasse a música, tomasse uma atitude drástica que interrompesse o que estava acontecendo? Temos que educar esses espectadores de que eles não estão ‘estragando a festa’ ou ‘cortando o barato dos amigos’, mas sim evitando um crime”.
Segundo ela, desconhecemos o tamanho dessa violência “porque a maior parte dos crimes não é denunciada. Um estudo nacional apontou que apenas 2% das vítimas de abuso nas universidades denunciaram à polícia e 4% às autoridades universitárias. A maioria das vítimas tem vergonha de contar a qualquer outra pessoa. Há um sentimento de culpa. São indícios de que há normas sociais que não as apoiam”. Por isso é preciso “ensinar a sociedade a reagir ao ouvir uma confissão dolorosa. Em vez de falar, ‘nossa, mas você deu mole, você bebeu muito’, você precisa dizer ‘eu acredito em você, vamos à polícia’”.
Ela revela que “uma em cada cinco universitárias já sofreu estupros ou tentativas de abuso sexual, mas ainda se discute se agressor e vítima não estariam ambos bêbados, se na hora de dançar, a vítima não “deu a entender” que queria dar mais intimidade ao agressor. Isso deixa milhões de mulheres e também muitos homens vulneráveis”.
Potter afirma que o “álcool é sistematicamente usado pelos estupradores. É uma arma preferida. Temos diversas pesquisas em que as vítimas contam como aquele ‘amigo’ ou ‘conhecido’ ficou servindo drinques sem parar, com intenções perversas. A importância do espectador que está vendo esse assédio é puxar o braço da amiga e falar, ‘olha lá, ele já te serviu quatro drinques em uma hora, é meio suspeito, não é hora de parar?’, e do amigo dele falar, ‘que é isso, cara, você está tentando embebedá-la? Isso é errado’.”
A professora recorda que, “nos anos 80, os Estados Unidos fizeram várias campanhas para quem visse um amigo indo dirigir depois de ter bebido, que era correto tirar as chaves do carro da mão dele e se oferecer a dirigir. Virou aceitável socialmente intervir nessas situações e ser visto como um bom amigo. O número de mortes por condução alcoolizada caiu muito”. É preciso agora fazer o mesmo em relação à violência sexual: “Temos que chegar ao momento que brecar um universitário que está arrastando uma colega para um quarto afastado em uma festa seja tão celebrado como tirar as chaves de um motorista alcoolizado”.
Ela relata ainda que existem muitos “lugares onde as mulheres ainda são vistas como um troféu. É uma luta dura, especialmente em uma sociedade que enfatiza, muitas vezes, que a mulher só precisa ser bonita. Quanto mais linda, melhor. O importante é mostrar que, assim como as mortes nas estradas, o abuso sexual atinge a sociedade por inteiro. As pesquisas indicam que vítimas de estupro têm problemas físicos e mentais anos depois do abuso, têm mais dificuldades de estabelecer relações amorosas saudáveis, dificuldades no emprego, perdem boa parte do seu potencial. Ainda têm uma taxa muito maior de suicídios do que os demais”.
Na sua entrevista à Folha, Potter destacou ainda a contribuição do presidente Barack Obama: “Obama é o primeiro presidente a falar desse assunto publicamente, reconhecer a gravidade e estimular novas políticas públicas. Quando uma voz poderosa fala, mais gente ouve. Foi decisão do governo federal nos chamar para atuar no Pentágono, era tabu falar de assédio nas Forças Armadas”.
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