Desde 2005 radicado em São Francisco, na Califórnia, aos 42 anos o publicitário carioca PJ Pereira é nome consagrado no Brasil e nos Estados Unidos. Em 2008, ao lado do sócio americano Andrew O’Dell, ele fundou a agência Pereira & O’Dell. Com ela, conquistou três Grand Prix, o prêmio de Melhor Filme no Festival de Publicidade de Cannes. Além disso, emplacou feito inédito: a conquista de um Emmy, em 2013. Considerado o “Oscar” da TV americana, a premiação abriu exceção ao consagrar, pela primeira vez, uma campanha publicitária. Feito para a Intel, o curta-metragem The Beauty Inside foi considerado o melhor trabalho na categoria Roteiro Inovador. Além da Intel, clientes como Dell, Coca-Cola, Microsoft e Skype, nos Estados Unidos, Fiat e Natura, no Brasil, compõem a carteira da Pereira & O’Dell. Sediada em São Francisco, a agência também tem filiais em Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro.
A trajetória profissional de Pereira teve início em 1986, quando ele tinha apenas 13 anos de idade e começou a prestar os primeiros trabalhos de programação de informática. A afinidade com recursos digitais e a formação em Administração de Empresas pela PUC-RJ foram decisivos para que ele conquistasse, em 1995, o primeiro emprego em uma grande agência, a DM9. Valendo-se de sua excelência em ambientes digitais, quatro anos mais tarde Pereira deu o primeiro passo para tornar-se um grande empreendedor, ao fundar a AgênciaClick, empresa que marcou a história recente da propaganda brasileira por ter sido a primeira com foco sistemático em mídias eletrônicas.
O publicitário é também escritor e acaba de concluir a trilogia Deuses de Dois Mundos (editora Livros de Safra). Composta por O Livro do Silêncio, O Livro da Traição e O Livro da Morte, a tríade é protagonizada pelo jovem jornalista Newton Fernandes, que tem a história conectada a uma inusitada trama, dividida com deuses da mitologia africana como Ogum, Xangô, Oxóssi e Oxum. A imersão de Pereira nos ensinamentos ancestrais dos orixás já atingiu no Brasil a marca de mais de 50 mil exemplares vendidos.
Em entrevista por e-mail, o publicitário falou sobre as nuances entre os mercados brasileiro e americano de propaganda, a importância de valorizar as lições que vêm à tona em momentos de crise e a necessidade de tornar o Brasil um País com maior ambição global.
Aprendizado na crise
A AgênciaClick nasceu pouco antes do estouro da bolha da internet e a Pereira & O’Dell em meio à crise americana. Posso afirmar que sou especialista em crises, e as considero uma grande oportunidade para quem faz trabalhos diferentes, sem amarras com o passado. Por isso estou tão empolgado com a nossa operação brasileira: a agência cresceu e se estruturou antes de chegarmos a esse momento em que anunciantes precisam cortar custos e rever processos. Nos momentos de crise é que pode vir à tona a reinvenção, o renascimento.
Mente aberta
Os quatro escritórios da Pereira & O’Dell têm características diferentes, mas todos trabalham com a mesma questão central: “Como resolveríamos esse problema se a propaganda estivesse sendo inventada hoje?”. Não por acaso, o DNA comum é uma pergunta. Saber se adaptar ao mundo exige a curiosidade de quem se define com uma pergunta, e não com uma resposta. Essa curiosidade permite novas ideias, cria oportunidades e leva a novas experiências. Foi essa inquietação que me fez escrever uma trilogia literária baseada na cultura africana no Brasil. Em tese, algo que nada tem a ver com meu trabalho de publicitário, mas ter de conviver com os personagens e suas tramas me enriqueceu profissionalmente. Entender um grupo étnico de outro continente abriu minha cabeça, e mente aberta é o começo de tudo. É o que nos mantém jovens.
Mercado brasileiros
A propaganda brasileira teve a maior conquista do mercado mundial: ela não permitiu que mídia e criação fossem separadas. Se observarmos as premiações internacionais, veremos que o Brasil vai muito bem. Tem ideias frescas, inovadoras, criativas, mas no dia a dia das agências, ainda é a mídia que define os modelos de negócios. O grande desafio para os publicitários brasileiros será fazer o contrário, permitir que os modelos de negócio se ajustem ao tipo de trabalho que merece ser feito para cada cliente. Os profissionais dessas agências, os anunciantes e até mesmo os consumidores merecem essa transformação.
O poder da rede
O Brasil é hoje um dos países com maior penetração de TV e mídias sociais do mundo, com consumo de entretenimento feito especialmente para esses novos tempos. Com a penetração da tecnologia nas classes mais baixas, houve uma explosão de audiência, que fez com que os formatos sobre demanda ficassem cada vez mais fortes. O YouTube, o Facebook e os grupos do WhatsApp são hoje os grandes canais desse público. Revoluções tecnológicas são como ondas: não adianta abrir os braços para tentar segurá-las porque elas vêm cada vez com mais força, sem tomar conhecimento de você.
Brasil online
Quando estava para lançar meu primeiro livro, o dono de uma grande rede de livrarias me disse que antigamente o que vendia livro era a lista da Veja, mas hoje é a timeline do Facebook. Investi a maior parte dos esforços de divulgação nesse meio e, de repente, me vi em contato com mais de uma centena de milhares de leitores de lugares diversos do Brasil, com diferentes níveis de idade, escolaridade e classe social. O Brasil está on-line, louco para ver, saber, conhecer.
Mercado digital
O Brasil tem hoje empresas digitais como a AgênciaClick/Isobar e a F/Biz, empresas de porte, que faturam muito bem e têm trabalhos de excelência internacional, mas ainda há um grupo de agências que não têm modelos de negócios voltados para os meios digitais. Nos EUA, isso também acontecia, mas na última década surgiu uma geração de empresas híbridas, como a Pereira & O’Dell, a Droga5, a Anomaly, que já amadureceram e conquistaram grandes contas. O Brasil ainda não viu esse movimento acontecer, mas já existe uma massa crítica de agências mais jovens, nascidas nesse mundo onde a fronteira do digital não faz mais sentido. O próximo passo são os grandes anunciantes perceberem que não precisam ficar presos ao passado. E a crise, com a necessidade urgente de encontrar soluções contemporâneas, pode ser o grande catalisador que essa geração estava procurando.
Reconhecimento
Prêmios são uma forma de medir efetivamente como o pensamento das agências tem sido fundamental tanto para nós, profissionais da propaganda, quanto para os anunciantes. Há um ano, uma das maiores marcas do mundo bateu na minha porta e nos convidou para uma concorrência com o desafio “queremos uma ideia nível Grand Prix em Cannes”. A criatividade reconquistou sua posição essencial graças ao novo consumidor, que não admite mais ser interrompido para ver coisa chata e de mau gosto.
Interesse e estratégia
Batalhamos para que nosso trabalho seja um bom investimento de tempo para o consumidor. Conquistar o tempo das pessoas é o grande desafio da propaganda – seja no Brasil, nos EUA, ou no Japão, isso é o que mais importa. Somente depois de despertar o interesse do consumidor é que podemos ter a oportunidade de sermos estratégicos. Uma agência profissional, que procura entender os novos tempos, tem de saber trabalhar esses dois lados: o interesse do consumidor e a estratégia para a empresa anunciante.
Brasil e EUA
O mercado americano é mais intuitivo que o brasileiro. Ainda estranho quando vou ao Brasil apresentar uma ideia e em vez de três ou quatro páginas para explicá-la preciso chegar com 40. Por outro lado, no Brasil a relação entre os profissionais e os anunciantes é muito mais parceira. O brasileiro gosta mais de propaganda do que o americano.
Ficções
A ideia de escrever a trilogia surgiu como uma forma de confrontar meu preconceito em relação às religiões africanas no Brasil. Desse embate, surgiu um respeito e admiração tão profundos por essa cultura que resolvi escrever os livros. A trilogia tornou-se a celebração das minhas raízes. Deixou de ser apenas a África para ser o Brasil que eu não tinha à minha volta. A representação de negros como heróis de histórias grandiosas é uma das coisas que mais precisamos para recuperar a autoestima desse povo e fazer com que ele ganhe energia para encarar a enorme ladeira que ainda falta subir para que o País seja mais justo, seguro e feliz. Claro, não vou fazer nenhuma revolução com meus livros, mas acredito que eles são a minha parte, aquilo que eu posso fazer para contribuir com meu País, mesmo estando longe.
Brasil global
As pessoas me perguntam o que está acontecendo com o Brasil e respondo que acontecem por aqui os mesmos conflitos vistos em Baltimore, nos EUA, em Paris, na França, ou em Joanesburgo, na África do Sul. Semelhanças de um mundo em reajuste, onde temos de aprender a celebrar a diversidade e a nos preocupar com os que estão longe de nós, da mesma forma que nos preocupamos com aqueles que estão próximos. É preciso entender que ver uma criança com fome do outro lado do mundo é tão triste quanto ver o filho do seu vizinho não ter o que comer. Acho que está na hora de nos vendermos como sendo parte do mundo. O Brasil vai ser cada vez mais presente em âmbito internacional quando parar de se ver como uma ilha e passar a ter curiosidade e abertura para tornar-se parte do mundo. Quando passar a exportar não apenas alimentos e matéria-prima, mas também nossa cultura. É preciso enxergar o mundo com os olhos do outro. O planeta é um lugar interessante demais para estabelecermos que, para sermos brasileiros, não podemos ser também do mundo.
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