Nesta quinta-feira (24), a 5ª edição do Seminário Inovação Brasileiros convidou especialistas e empreendedores para discutir o impacto da digitalização nos negócios, além de debater o empreendedorismo e a inovação no País. O evento aconteceu no Auditório Unibes Cultural, em São Paulo.
De bancos à medicina, a tecnologia tem proporcionado uma série de mudanças de comportamento, seja no próprio mercado (obrigando antigos agentes a inovarem) seja na relação do consumidor com marcas e serviços.
O acesso cada vez mais facilitado à Internet e a mobilidade dos smartphones permitem empresas criarem serviços que seriam impensáveis há cinco anos. Um dos exemplos são as chamadas fintechs, startups que se dedicam a oferecer soluções para o mercado financeiro que têm forçado o setor bancário a se movimentar.
No painel sobre Fintechs, Guga Stocco, Líder de Estratégia de Inovação do Banco Original e Gabriel Villa, chefe de operação do Shopfácil.com, e-commerce do banco Bradesco, falaram sobre iniciativas que têm impactado os tradicionais serviços bancários e de compras.
“O mundo financeiro vai mudar completamente nos próximos cinco anos. Se você pensar no Uber hoje e no Airbnb, empresas que há dois anos não existiam no Brasil, o Uber revolucionou a indústria táxi. Em São Francisco, ele fatura três vezes mais que toda a indústria junta. O Airbnb vale US$ 45 bilhões, e o Hilton com todos os hotéis no mundo todo vale US$ 41 bilhões”, exemplificou Stocco.
Lançado em março deste ano, o Banco Original oferece portfólio que inclui, além de todos os serviços de um banco comum, transações por comando de voz, depósitos de cheque por imagem e uma ferramenta que categoriza os gastos automaticamente e contribui para a gestão financeira, o planejamento e o controle do orçamento do cliente. A iniciativa foi idealizada pela J&F Investimentos, holding que controla diversos empreendimentos, dentre os quais a JBS.
Stocco defende que não só bancos, mas todas as verticais da indústria passarão por disrupções em ciclos cada vez menores. Uma das saídas para se manter competitivo é definir estratégias para períodos menores. “Uma única empresa pode acabar com uma indústria inteira em apenas dois anos”, pontuou Stocco ao dar o Google como exemplo. “Pense que a palavra fintech não era conhecida há dois anos”.
O mercado de fintechs tem crescido exponencialmente no mundo todo e bancos tradicionais têm se atentado e, inclusive, criado programas de apoio e investimentos, aproximando-se de suas potenciais concorrentes. Para Stocco, um dos grandes movimentos no setor financeiro será o chamado “seamless banking”, que defende que operações financeiras se tornarão onipresentes em suas formas: geladeiras inteligentes que mostrarão painéis interativos com o saldo gasto em alimentos e carros que chamarão atenção para o valor investido em combustível, por exemplo.
A digitalização também tem contribuído com a personalização das compras, um movimento que tem encontrado sua vocação em sites de e-commerce. Indagado sobre se a tecnologia, por ventura, irá acabar com os grandes shopping centers, Gabriel Villa destacou que marcas deverão melhorar a experiência de seus clientes.
À frente do ShopFácil.com, braço de e-commerce do banco Bradesco que reúne ofertas na Internet, Villa tem o desafio de tornar a experiência do consumidor cada vez mais customizada. Para isso, a empresa tem recorrido ao uso de chatbots, robôs digitais que interagem com clientes e se beneficiam da inteligência artificial para personalizar a interação, indicando ou antecipando a melhor oferta para determinado cliente.
“Vimos que as pessoas já estão comprando pelo WhatsApp, em chats de mensagem e isso gerou um grande insight. Como o ShopFácil consegue dar essa experiência de personalização?”, questionou Villa pontuando que usuários têm se mostrado menos fiéis a aplicativos, devido a falta de capacidade de armazenamento em seus dispositivos. “O mundo dos chatbots é bom, porque você não precisa consumir quase nada de dados e uma solução como essa é ideal no Brasil, onde a maioria das pessoas recorrem a planos pré-pagos. A pessoa precisa da experiência de comprar do jeito mais fácil”, completou Villa.
A ShopFácil se tornou uma das primeiras empresas brasileiras a usar um chatbot no Messenger (serviço de mensagens do Facebook) para possibilitar a compra de produtos. O robô da companhia se apresenta como uma espécie de personal shopper, oferecendo promoções ou os produtos desejados. “Você precisa resolver a vida do cliente como ele quer que ele resolva”, aconselhou Villa.
A personalização da Saúde
Empresas estão aplicando tecnologia para mudar a forma como nos relacionamos com médicos e consultas e até mesmo usando inteligência artificial para ajudar no tratamento de doenças como o câncer.
Ricardo Moraes, CEO da startup Memed, plataforma médica de consulta e prescrição de medicamentos, tem salvado pacientes que encontram dificuldades em “decifrar” as letras cursivas de profissionais da medicina.
Aqueles que se consultam com médicos que usam o serviço da startup recebem uma receita digitada no computador e impressa. Para médicos cadastrados, a solução oferece um banco de dados atualizado onde constam todos os remédios disponíveis no Brasil, desde fórmulas de manipulação passando por homeopatia e dermocosméticos.
“Setenta por cento das consultas médicas geram prescrições, são 35 milhões de prescrições todos os meses. São mais de 20 mil medicamentos que médicos têm que encontrar”, ressaltou Moraes ao citar um dado que indica que 75% das prescrições têm chance de erros, algo que pode impactar diretamente a saúde de pacientes.
A Memed tem se destacado em um mercado crescente de startups que se dedicam a área de saúde, tendo recebido prêmios recentes de competições de startups e investimentos.
Para Moraes, a área de saúde tem potencial para inovar e destacou soluções de startups que têm pensado em serviços para entregar remédios personalizados e diagnósticos feitos pelo celular.
O sistema de computação cognitiva da IBM, o Watson, tem encontrado grande valor na área médica. A plataforma de aprendizagem de máquina que oferece capacidades analíticas recentemente foi responsável por diagnosticar um tipo raro de leucemia em uma mulher de 60 anos.
A tecnologia conseguiu o feito ao comparar as mudanças genéticas da paciente com uma base de dados de 20 milhões de artigos científicos sobre câncer. O sistema de computação cognitiva tem sido alimentado com casos e milhões de páginas de artigos de pesquisa desde 2011 e desde 2013 se tornou disponível para médicos e companhias de seguro de saúde.
Durante o Seminário Inovação Brasileiros, Gemma Rebollo, executiva de desenvolvimento de Negócios na IBM, falou sobre o impacto do Watson na área da saúde.
“Na área da saúde, você tem um mar de informações, sejam de prontuários médicos, de literatura médica, sejam sistemas de gestão hospitalar. E, espera-se que a cada 23 dias a partir de 2020, esse volume dobre, o que torna a missão dos médicos bastante complexa”, disse Gemma.
“Hoje, o Watson pode ser acessado pela nuvem, ele vem democratizar a informação. Ele traz o poder das informações estruturadas que a gente não tinha até agora, você consegue embarcar uma explosão de informações, usá-las de forma adequada para gerar conhecimento, que é a grande revolução”, resumiu a executiva.
A capacidade do Watson para analisar o significado e contexto da linguagem humana e rapidamente processar informações para encontrar respostas precisas, pode auxiliar nas tomadas de decisão de médicos e enfermeiros, identificar conhecimentos e informações enterrados em grandes volumes de informação e oferecer respostas que não podem ter considerado para ajudar a validar as suas próprias ideias ou hipóteses.
Pesquisadores ao redor do mundo têm colocado sistemas de inteligência artificial como a próxima fronteira da medicina. O recente diagnóstico feito pelo Watson reforça como a tecnologia pode ser útil no contexto médico. Com tecnologias similares, médicos humanos não precisariam gastar anos em pesquisa para identificar uma doença rara ou esperar para que outros pesquisadores e universidades avancem a pesquisa. Para isso, eles só precisariam informar os dados de um paciente. E com um diagnóstico preciso, o processo de cura fica mais próximo da realidade.
Empreendedorismo de impacto
Startups e grandes empresas têm se aproximado em um relacionamento que tende a beneficiar as duas pontas do processo. Companhias já sólidas no mercado oferecem programas de mentoria e aceleração a jovens empresas, enquanto estas são exemplos de inovação com seus modelos e orçamentos enxutos.
O terceiro painel do Seminário de Inovação Brasileiros contou com a presença do Diretor de Inovação da Braskem, Patrick Teyssonneyre, Luiz Guilherme Manzano da Endeavor e Fernando Assad, do Programa Vivenda, para discutir inovação colaborativa e de impacto.
Em 2013, Fernando Assad e dois sócios criaram a empresa social Programa Vivenda que oferece kits de reforma de rápida execução para população de baixa renda. Em resumo, kits para banheiro, cozinha, sala, e soluções que visam não somente aprimorar a estética das moradias, como também eliminar patologias habitacionais que impactam a saúde dos moradores, como excesso de umidade e falta de ventilação.
Assad defende que o programa vem para resolver um déficit habitacional, um alarmante número de 11 milhões de pessoas que vivem em condições de submoradias.
“É um mercado que não oferece soluções eficientes. Nascemos para desenvolver esse mercado que opera para pessoas de baixa renda. Fazemos reformas de baixa complexidade e alto impacto social, coisas simples como uma janela que impactam diretamente na vida do morador, na saúde deles. Cansei de entrar em casas que, por não terem janelas nos quartos, tinha mofo e gotas de suor nas paredes, por que quatro pessoas dormiam no mesmo quarto. Quando a gente fala desse mercado falamos também de saúde pública”, completou.
O resultado dos esforços de Assad, dos sócios Igiano Lima, Marcelo Coelho e equipe são obras que levam cerca de cinco dias e são oferecidas a custo acessível aos moradores das favelas – os kits custam cerca de R$ 5 mil e podem ser parcelados em até 15 vezes.
A estratégia sempre parte do ponto de vista local, daí a importância do escritório estar baseado na própria comunidade, no Jardim Ibirapuera. Além do caráter mais óbvio de uma reforma – o estético – o Programa Vivenda proporciona outros efeitos colaterais: as reformas aumentam a autoestima dos moradores e geram renda para os profissionais locais, tendo em vista que a iniciativa emprega pedreiros, ajudantes e equipe de venda da comunidade.
“Desenvolvemos uma nova régua de crédito para esse mercado, hoje nossa inadimplência é zero. E agora estamos estruturando um fundo para fazer mil reformas”, contou Assad e adiantou que em dezembro, a empresa social inaugura um novo escritório na Zona Leste. “Com essa meta de fazer mil reformas e aprendendo com esse novo escritório, nossa meta é franquear o modelo e abrir uma loja em cada favela do país”.
O Programa Vivenda foi uma das 12 empresas selecionadas pelo Braskem Labs, iniciativa da Braskem que visa apoiar empreendedorismo de impacto no País por meio de mentorias realizadas em parceria com a Endeavor. Patrick Teyssonneyre, diretor de inovação da Braskem, participou do Seminário e falou sobre a importância do modelo de inovação colaborativa que a petroquímica tem adotado há alguns anos.
“Inovação é um dos nossos pilares estratégicos”, pontuou o executivo. Em 2014, a empresa foi reconhecida pela publicação Fast Company como uma das mais inovadoras do mundo, sendo única empresa brasileira selecionada pelo ranking.
Teyssonneyre destacou a evolução exponencial da tecnologia e de tecnologias emergentes que têm influenciado diretamente o setor industrial. No caso, a impressão 3D, a automação, a Internet das Coisas, nano e biotecnologia e o poder computacional, cada vez mais rápido e acessível.
“Essas tecnologias vão constituir a indústria petroquímica do futuro e a gente não pode ficar fora disso”, ressaltou. “É inviável desenvolver todas essas tecnologias dentro de casa, por isso recorremos ao modelo de inovação colaborativo. Buscamos identificar projetos onde uma tecnologia pode ser importante, quem é referência em tecnologias no mundo e estabelecemos parcerias com universidades, grandes empresas e startups”.
O executivo destacou uma recente colaboração da Braskem e uma startup americana Made in Space. A startup fabrica impressoras 3D para operação em gravidade zero e recorreu ao polietileno verde da Braskem para abastecer a primeira impressora comercial 3D alocada no espaço. O material foi enviado a Estação Espacial Internacional.
Perguntado sob como a empresa reage em tempos de recessão econômica, Teyssonneyre defende que em momentos de crise é a hora de abraçar ainda mais a inovação e a digitalização para manter posição competitiva no mercado. “É na dificuldade que aparecem as oportunidades e você precisa estar preparado, se você não estiver bem posicionado para esse momento onde as coisas melhoram, você perde em competitividade”, concluiu.
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