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SP 461: Aclimação e os segredos de um não lugar

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Para quem não dirige e conta com a generosidade alheia para usufruir de caronas de madrugada, não é fácil morar na Aclimação. “Você mora na Nárnia!”. “É um labirinto aquele lugar!”. Um amigo foi além ao sentenciar: “É um não lugar”. Resignada, só me resta concordar e agradecer a carona.

A Aclimação é um bairro tranqüilo, antigo e central, que fica próximo a duas das principais avenidas da cidade de São Paulo: a 23 de maio e a Paulista. Na Aclimação, orientais convivem com intelectuais e artistas, que escolheram as construções, prédios baixos e casas ainda preservadas dos anos 50 para morar e trabalhar. O pintor Arcangelo Lanelli trabalhava em um ateliê no bairro, que pude conhecer quando era criança numa excursão escolar.

Apesar de bem localizado, parece que as pessoas simplesmente não têm motivo para passar pelo meu bairro, de ruas tortas e desordenadas, muitas delas com nomes de pedras preciosas. Tão próximo da agitação frenética da cidade, chega-se ao tal “não lugar”.

Pois eu, como moradora do bairro há 18 anos, criei algum afeto pelo bairro, sim. Tem o Parque da Aclimação, tido como o principal ponto turístico. Minha tia, recém chegada do interior, já é freqüentadora assídua do parque, no qual faz uma aula de dança gratuita e aberta ao público. Todos os dias, às 7 da manhã, é uma das únicas brasileiras no grupo de cerca de 40 senhoras japonesas que se reúne para dançar coreografias de bolero, samba, valsa, rap e MPB. Ao final, forma-se uma roda para treinar movimentos de tai chi chuan.

Outro freqüentador é o dono da rede de cabeleireiros Soho, Hideaki Iijima. Senhor de cerca de 70 anos, acorda às 4 da manhã todos os dias para varrer o parque, como gesto de civilidade e cuidado com o lugar onde mora. Ijima participa da Zeladoria do Planeta, ONG que periodicamente promove a limpeza de locais públicos.

Não sou uma apreciadora de parques, admito, e faz anos que não vou lá. Certamente sendo injusta, apenas guardo lembranças daquele lago de águas verde-musgo na qual nadam patos entediados, e, ao redor dele, pessoas caminham em círculos com determinação robótica, munidos de roupas de ginástica, óculos escuros e fones de ouvido. Praticantes de atividades físicas para manter a boa saúde sempre despertaram a minha desconfiança. Como diria Vinicius de Moraes, sou formalmente contra o teste de cooper. Em uma entrevista a Otto Lara Resende, o Poetinha conta do dia em que viu um grupo de pessoas fazendo exercícios em frente ao mar, em Copacabana.

“Até pensei que fosse negócio de afogamento. E de repente aquele bando começou a se mover. Mão pra cima, mão pra baixo, e aquelas pelancas todas, terrível. Deviam ser estrangeiros, provavelmente escandinavos. Eu sei que ficamos vendo aquilo por uns 10 minutos. E aí o Antonio Maria, que estava comigo, me disse: ‘Vamos fazer um juramento? Vamos nos prometer que nunca mais faremos nenhum movimento desnecessário?’”

 

Mas voltemos à Aclimação, que devo homenagear neste aniversário de São Paulo, e ao que aprecio no meu bairro. Na esquina de onde vivo, há uma minúscula casa de costura. Dentro dela, três centenárias irmãs japonesas. Parecem formiguinhas: magrinhas, pequeninas e bravas. Apesar de muito delicadas, as senhorinhas são um tanto intimidadoras. Estão sempre sorridentes e fazem comentários discretos que as levam às gargalhadas. O inocente cliente, provavelmente alvo do humor das três velhinhas, invariavelmente fica de fora – parado ao balcão, com cara de sem graça. Nas paredes da casinha, penduraram paninhos com poemas de autoria própria costurados. Eis um exemplo:

“Maria,
De nome Miyo
Teceu a vida
De fio a fio.
Maria,
Cheia de garra
Encontrou felicidade
Fazendo barra.

Kimi”

Tem o meu boteco preferido também: “O velho e o bar”, também conhecido como “O bar do veio”. Descobri, no entanto, que na verdade o lugar atende por uma terceira e pobre alcunha: “Whiskytório”. Mudaram o nome do boteco, ou então, num delírio romântico, inventei outro para meu bar preferido – que além de parodiar o maravilhoso livro do Hemingway, faz perfeita justiça ao local, cujo dono é um senhor furioso. Dependendo do humor dele, os clientes são expulsos a ponta-pé. O horário de fechamento do estabelecimento é sempre uma surpresa e os clientes têm de estar prontos para virar o copo de cerveja na mesma hora, pagar e sumir da frente do senhor o quanto antes. E por que sempre voltamos ao velho furioso? Pelo legítimo ambiente de boteco, com azulejos azuis, cartazes de mulheres nuas e um pôster gigante do Zé do Caixão nas paredes, os conhecidos alcoólatras do bairro, que tropeçam e se amam, e a televisão sintonizada baixinho num canal qualquer, que nos fazem companhia nesse solitário não lugar.


Comentários

Uma resposta para “SP 461: Aclimação e os segredos de um não lugar”

  1. Tenho 39 anos. Nasci e cresci na Aclimação. Ando por esse labirinto sem sofrimento. Meu marido fica completamente louco… rs… sempre comenta: “aqui, nunca estou onde acho que estou! Como acerta esses caminhos?”. Morei 7 anos no Butantã, mas fiquei viúva do meu 1o casamento e não consegui imaginar qualquer outro lugar para morar que não fosse aqui. Um lugar que me acolhe, me acarinha… Aclimação, meu lar, meu lugar!

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