A transexual Gilmara Cunha recebeu na terça-feira (8), no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a Medalha Tiradentes, a maior honraria da Casa. Ela é moradora do conjunto de comunidades da Maré, na zona norte do Rio, preside o grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas e é integrante do Conselho Nacional de Juventude. “A nossa luta maior é pela sobrevivência dentro dos espaços do território de favelas. Hoje a gente vive uma época de militarização das favelas, então é preciso resistir porque a sobrevivência, a vida em si, desta população precisa ser garantida dentro desse espaço”, disse.
Durante a cerimônia, Gilmara contou que enfrentou muitas dificuldades e preconceito até assumir a homossexualidade. “Comecei a perceber que os desejos que tinha eram normais, sim, e poderia ser o que eu quisesse. Uma frase vinha na minha cabeça: ‘Deixe-me existir’. Precisava tomar essa frase como um mantra, botar na cabeça seguir em frente e enfrentar a família”, afirmou no discurso interrompido várias vezes devido à emoção.
Depois de ultrapassar essa fase, Gilmara começou a lutar pelo reconhecimento como pessoa e revelou, que, por isso, não vê necessidade de ter que se apresentar como uma pessoa transexual a todo momento. “Para que nos vejam como pessoas e não como uma identidade.”
Para a transexual e tradutora de libras, Alessandra Ramos, Gilmara se destacou pela qualidade e pela força do seu trabalho. “Não tem como não sentir orgulho disso. Isso para mim não tem preço”, disse. Alessandra quer que o ato na Alerj se traduza em políticas públicas que garantam mais direitos para a comunidade LGBT e pessoas transexuais.
O superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria Estadual de Direitos Humanos e coordenador do Programa Estadual Rio sem Homofobia e do Rio Com Liberdade Religiosa e Direitos Humanos, Cláudio Nascimento, disse que, em um momento de onda conservadora por que passa o país, é importante homenagear uma liderança do movimento de travestis e transexuais de uma comunidade de favelas e reconhecer o protagonismo de personagens dos territórios de favelas.
“Acho algo altamente simbólico, significativo e ajuda a fortalecer o movimento e a reconhecer que pessoas trans nessas comunidades têm ajudado a fazer diferença no sentido de trazer mais noções de direitos humanos e cidadania”, afirmou.
Claudio Nascimento disse acreditar que, por meio da homenagem a Gilmara, outros travestis e transexuais também possam se sentir reconhecidas e valorizadas para entrar em um movimento social como ela desenvolve.
O autor da proposta da homenagem, deputado estadual Flavio Serafini (PSOL), informou que ela está cursando psicologia e pretende atuar, depois de formada, no trabalho de ajuda a moradores da Maré e de outros espaços comunitários. O parlamentar disse ainda que a intenção dele ao decidir fazer a entrega da medalha para a ativista de direitos humanos foi parte de uma estratégia de mudar a leitura da história de preconceitos e de violência da sociedade contra transexuais.
“Gilmara é uma pessoa que nasceu na favela e viveu a vida inteira sempre voltada para, no seu trabalho, pensar a questão social, e isso se casou com a questão da sua sexualidade, até fazer a cirurgia e se transformar em uma transexual, e vem desenvolvendo um trabalho muito importante na Maré.”
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