Está em curso uma profunda transformação global, afirma o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Pela primeira vez desde a crise de 1929, segundo a análise dele, não são os países ricos e desenvolvidos os responsáveis pela dinâmica econômica do mundo, mas sim os “países baleia”, com extensa área continental e grande população, que estão provocando essa transformação. “China, Brasil e Índia já respondem por praticamente 40% do dinamismo da economia mundial”, afirma.
Pochmann diz que estamos diante da construção de novas centralidades que, embora permaneçam nos Estados Unidos e na União Europeia, irão se situar cada vez mais na Ásia e, sobretudo, na China. Existe, porém, um espaço inegável para o Brasil liderar e protagonizar um projeto de desenvolvimento no continente sul-americano, diz ele, assegurando que “esta é, de fato, uma possibilidade”.
Seu raciocínio se baseia no fato de que o Brasil, nos últimos oito anos, construiu uma nova maioria política que tem convergência e não aceita mais o “voo de galinha” que caracterizava a trajetória brasileira até as décadas de 1980 e 1990. “O Brasil não conseguia alçar voo, não conseguia sustentar uma trajetória de expansão econômica, acrescida, evidentemente, de distribuição de renda e consequente redução das desigualdades”, afirma.
Essa maioria política tem clareza para onde o Brasil deve ir. Mas, de acordo com o economista, não sabemos ainda como chegar lá. E esse é um dos desafios. A pergunta que ele faz é: “Qual o método a adotar para construir um país capaz de protagonizar um novo projeto de desenvolvimento?”
Por ser uma nação não desenvolvida, o Brasil ainda tem lacunas a serem resolvidas, afirma o economista. Na avaliação dele, as três principais são:
Construção de uma moeda de curso internacional. “O Brasil não pode ficar prisioneiro apenas do Real. Precisamos avançar para uma moeda que circule e tenha identidade, sobretudo no continente sul-americano. Isso nos ajudará a ampliar a nossa capacidade de produção e distribuição. E vai nos proteger frente aos chineses.”
Indústria de defesa. “Nós temos 150 cidades que fazem fronteira seca no Brasil. É o segundo país do mundo em quantidade de fronteiras. Sem falar nos 8.500 quilômetros de fronteira marítima, que se tornaram ainda mais nevrálgicas devido à exploração do petróleo na camada do Pré-Sal. E o Brasil, infelizmente, não tem um sistema de defesa, nem indústria para tanto.”
Construção de um complexo de produção e difusão de conhecimento. “Algo necessário para alçarmos um novo padrão de desenvolvimento. E isso exige, inegavelmente, uma revolução na educação.”
E o que se deve entender por educação? Pochmann responde: “A educação é, até hoje, entendida como um ritual de passagem para o mercado de trabalho. O conhecimento foi disciplinado, organizado pelo sistema escolar tradicional. E quando se chega na fase adulta, praticamente não se estuda mais. Os adultos ‘sabem tudo’ e param de estudar. No máximo, leem um livro, um jornal, uma revista. Mas essa sociedade em construção, a do conhecimento, pressupõe uma escola para a vida toda. Algo necessário para a criação de um outro padrão civilizatório”.
Pochmann afirma que o ensino superior deve servir como o piso para o ingresso no mercado de trabalho, e não mais o teto, como ainda é identificado. As pessoas, segundo ele, não deveriam mais entrar no mercado de trabalho sem antes ter completado o ensino superior. “Isso não é nenhuma novidade. Aqui no Brasil os filhos dos ricos só começam a trabalhar depois de formados. Somente os filhos dos pobres estão condenados a estudar e trabalhar. São submetidos a oito horas de trabalho diário e, dependendo do lugar onde moram, gastam de duas a quatro horas em deslocamentos, e ainda frequentam a faculdade durante outras quatro horas”, diz.
Assim, analisa Pochmann, não há como ter ensino e aprendizagem de qualidade. A realidade mostra que, no caso do ensino superior do setor público federal, os alunos não conseguem ler quatro livros por ano, diz ele, arrematando: “Educação não é fábrica de salsichas!”
Para ele, “é absolutamente necessário reconhecer a necessidade de uma mudança profunda na forma de produção do conhecimento e preparação de quadros”.
A falta de cultura democrática no Brasil foi outro desafio apresentado pelo economista. “Nós temos mais de 500 anos de existência como país, mas não temos 50 anos de experiência democrática. Infelizmente, nossa cultura é a da intolerância, da incapacidade de construção de grandes convergências”, afirma.
Essa realidade, diz Pochmann, depõe contra o Brasil em um momento em que assistimos à expansão da hipermonopolização do capital. “Não é algo inédito no capitalismo, mas, pela forma como vem se apresentando, causa grande preocupação a concentração do capital em poucos grupos econômicos”, alerta.
Pochmann expõe dados sobre essa concentração e revela que, hoje, cerca de 500 grandes corporações transnacionais dominam 50% da soma dos “PIBs” de todo o mundo. São empresas que definem a formação de preços e que são responsáveis por 70% do que é feito em inovação tecnológica, adverte. “E seu poder é capaz de financiar partidos, eleger presidentes”, diz. Por isso, o economista acrescenta que essa é uma questão a ser considerada do ponto de vista da capacidade de exercer de fato a democracia.
E, nesse mundo da hipermonopolização, é fundamental o Brasil ter grandes empresas, pondera Pochmann. “A China, deseja ter 150 maiores entre essas 500 grandes corporações”, afirma, emendando com a pergunta: “Quantas o Brasil deseja ter?”
Segundo o economista, hoje o que tem mais crescido no mundo são as universidades corporativas. “A questão que isso coloca é a nossa capacidade de conseguir universalizar a educação, o conhecimento e a pesquisa para todo o conjunto do setor produtivo e não apenas para as maiores.” Ele também alerta para a necessidade de atender às micro e pequenas empresas. “São as que mais empregam no Brasil. A grande empresa não se caracteriza por forte emprego, mas por sua capacidade de produção e desenvolvimento”, diz.
Para Marcio Pochmann, “não há nada que nos impeça de fazer essas mudanças que o Brasil necessita. Nós não somos mais um país devedor do Fundo Monetário Internacional, que até pouco tempo atrás nos dizia onde devíamos gastar os nossos recursos. Tampouco somos prisioneiros de um regime autoritário que diga o que devemos ou não devemos fazer. Não há nada que nos impeça a não ser o medo, o medo ousar, de fazer diferente. O Brasil tem condições de chegar em 2015 sendo a quinta economia do mundo. Um país sem miséria. Um país pronto para escrever a sua história em novas bases”.
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