A mangueira, a faxineira e o bairro de Higienópolis

Fotos: Ligia Kas
Fotos: Ligia Kas

Moro num bairro considerado bacana, com gente “diferenciada” (lembram-se da polêmica da estação de metrô em Higienópolis?). Bom é que dá para fazer tudo a pé ou de bike. Eu ando bastante, pois gosto e tenho um cachorro.

Lá em Higienópolis, a maioria das pessoas que têm cachorro costumam recolher as fezes dos bichos. Demonstram, assim, educação e preocupação com o bem-estar do próximo. Acho isso bonito.

Tem outra coisa legal. Higienópolis possui uma falsa pompa que não se confirma, além do preço dos imóveis. Higienópolis é até bastante bairrista. Os comerciantes conhecem você pelo nome, lembram-se de coisas que te agradam e oferecem quando as têm disponíveis, a exemplo do seu Manuel, da quitanda, que sempre me avisa quando chega maracujá doce. Bacana, né?

Pois é. Só que lá no meu bairro também tem gente que não pensa em nada. Pela terceira vez, em menos de cinco meses, discuti com o funcionário, creio que seja o zelador, de um prédio na rua Alagoas esquina com a Sabará. Ele não fez nada diretamente contra mim, mas faz contra todos aqueles que vivem em bairros da periferia, como a minha faxineira (e por isso me lembrei dela).

Esse senhor, que certamente tem o aval dos condôminos, liga a mangueira à torneira e se diverte regando plantas que adornam o jardim, que não é pequeno, e molha a calçada enquanto conversa distraidamente.

Eu não posso assistir a isso sem me pronunciar frente a uma crise hídrica que deixa tantas pessoas sem ter como tomar banho ou cozinhar.

Na primeira vez, perguntei a ele se poderia encerrar a atividade antes que o desperdício de água incomodasse a outros moradores da região. Deu de ombros.

Na segunda, pedi, por favor, que parasse com aquilo e disse que iria fotografar a atitude dele. Deu de ombros e disse que as plantas estavam com sede, mas escondeu o rosto (demonstrando sua culpa).

No último sábado, já sem a paciência de antes, perguntei se o prédio não possuía água de reuso? Ele disse que sim. Então perguntei por que estava brincando com uma mangueira e fiz várias fotos dele, que novamente tentou se esquivar e ameaçou lançar água contra mim, ao que respondi que se ousasse fazer aquilo estaria, então, cometendo um segundo crime: tirando água de quem precisa e agressão.

Com o celular em punho, avisei que registrava o que ele insistia em fazer durante a pior crise hídrica do Estado de São Paulo. Ele riu, deu uma última esguichada na calçada e correu para se esconder no prédio (culpa? Não, é reincidente). À senhora que o ajudava a lavar a calçada, perguntei: na sua casa falta água? Ela disse que sim, e apontou o prédio da frente com os olhos, onde um funcionário sorridente também dava água a plantas.

É óbvio que os moradores de ambos os prédios compactuam com o desperdício, caso contrário ele não ocorreria. É óbvio que essas pessoas gostam mais de jardins verdes do que crianças hidratadas.

A água vai para o vaso, e falta na mamadeira. O pior: eu sei que o problema não é o bairro.

 

 


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