Há 20 anos eu ganhei a árvore da felicidade da mãe de um amigo.
Foi presente para celebrar nova fase no meu antigo consultório.
“Desejo muita sorte para você e seus pacientes”.
Vaso de barro, 50 centímetros de altura de vitalidade insuspeita.
Por vários meses deixei-a assim, à porta de entrada.
A cada intervalo entre atendimentos trocava com ela olhar fraternal. As plantas e os humores precisam de atenção e carinho, dizem.
Primeiro eu nutria sólida expectativa, meu plano daria certo:
Transplantaria a árvore para o jardim do fundo da casa assim que passasse a ocupar minha nova sala. Acompanharia então seu crescimento frondoso que, libertando-se da restrição do vaso, viveria nova fase luminosa tão merecida.
Troquei de sala, transplantei-a e acompanhei minuciosamente sua desenvoltura.
Sim, cresceu. 75 milímetros.
Depois veio a realidade, quase sempre mais econômica que a idealização, cumprir o seu destino e ensinar-me, cobrando caro, a dosar melhor o que ainda espero da árvore. E da felicidade.
Tive que que sair daquela bela casa e deixar meu grupo de colegas e meu jardim.
Na ocasião escrevi para os meus amigos:
“Ainda sob a tristeza de deixar minha caverna que há tanto tempo me abriga, nutre, paga as contas, nos dá condições, muito boas, aliás, para ajudar quem nos procura com alguma dor. A dor agora é nossa também, dor de quem deixa a casa e sabe que para nunca mais voltar. O progresso chegou, prédio com shopping, mil carros blá blá blá… Tenho, nessas últimas duas semanas olhado os pinheiros, os cafés, o pé de romã, a mangueira, aquela jibóia que está ali desde o jurássico, e penso: eu vou achar uma nova caverna, e elas? Será que uma retroescavadeira vai cortar a mangueira pela raiz? A motosserra vai destroçar a jibóia em um milhão de pedacinhos?
Eu vou fazer limonada desse limão. Construirei um caminho solo, para onde eu possa ir a pé, atender quem me procurar e, quando tiver sede, beber da limonada enquanto rumino meus demônios e saboreio a novidade misturada à memória dos tempos vividos, e bem vividos, juntos”.
Garimpei uma nova casa, peguei meus móveis, quadros e livros e transplantei novamente a árvore para o antigo vaso, onde continua firme até hoje no atual consultório. Bebo sucos variados e continuo vagamente feliz. Tenho agora a Ângela, uma vizinha que conhece plantas como eu julgo conhecer gente, e me despertou novamente irresistível e pretérita esperança, vê-la crescer finalmente.
Explicou-me que esse tipo de árvore funciona como as pessoas, elas se desenvolvem melhor quando formam um casal. Se eu plantasse no mesmo vaso uma fêmea, mesmo com o espaço novamente restrito, eu me surpreenderei, segundo ela, com o ânimo da transformação.
Confiante, espero sexta-feira chegar, o dia da feira em frente à casa e, pergunto à Dona Maria, da banca de flores, “tem árvore da felicidade fêmea?”, “só vende o casal”, sem chance de negociação pelo tom enfático da resposta. Se eu juntar mais um casal à minha árvore, o que aconteceria com a herética composição? Pergunta que a Ângela e a Dona Maria não arriscaram responder, mas constrangidas, insinuaram, sem se comprometer, que eu realizasse a experiência.
Em relação ao amor o cronista costuma ser bastante generoso, ainda mais com o louvável intuito de florescer a felicidade novamente.
Já encomendei o novo casal.
Enquanto não chega, tenho observado, por obra do acaso ou dos bons fluidos, que a árvore está mais imponente, ereta no esplendor dos seus 51 centímetros. Seus franzinos galhos sustentam folhinhas de um verde vivo que se esparramam em todas as direções, inclusive a parte de seu caule e raiz, embaixo da terra, que também estariam, por lógica dedução, com igual imponência e ereção.
Para não terminar subitamente como música árabe ou ejaculação precoce, ocorreu-me uma duvidosa mas também bela e recatada frase do lar:
Alegria tem que ser catada na sensualidade contida das presenças invisíveis.
Se não for exatamente a verdade serviria pelo menos para o início de um poema.
Ou para o fim.
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