Chega! Saí do armário. O saco transbordou neste ano que minguá. Não se trata de confissão sobre preferências sexuais ou pedofilia, interpretação apressada que teria sua razão de ser.
Sou alcoólatra.
Tenho disfarçado há alguns anos, mas se prestarem atenção, sobretudo às minhas bochechas flácidas, elas já vem apresentando filetes sinuosos e avermelhados, riscos varicosos que denunciam a triste condição agravando-se lentamente.
Minha decisão é irrevogável, mesmo sob a ameaça dos dedinhos do Trump, digitando o código secreto dos mísseis nucleares, apontados todos para a minha cabeça. Ou o Putin. Ou o Xi Jinping. Ou os três ao mesmo tempo. Estou fora. Não contem mais comigo.
Quero ter um rancho na praia, minha barba raspada e nadar pelado no mar, em alguma ilha remota do Caribe. Trocar a aurora boreal pelo magnífico crepúsculo. Toda prosa em poesia.
Substituirei a vodka pela água de coco.
Livrarei-me do peso de minha insuportável incoerência. Resgatarei minha dignidade fazendo prevalecer novamente os valores sobre os interesses, de lucro ou de poder.
Escreverei todas as histórias que tenho com as crianças e a elas continuarei dedicando minha obra completa.
Este foi o meu último natal.
Pouco, quase nada, restou como herança da generosidade do arcebispo turco São Nicolau, que, no século IV, ajudava os pobres introduzindo um saco de moedas de ouro através das precárias chaminés de seus casebres, anonimamente.
Desde que fui capturado pela campanha publicitária da Coca-Cola, em 1931, venho gradualmente construindo a decisão de romper o funesto contrato.
Se escolho o espaço desta coluna para torná-la pública é por gratidão, já que, lendo um texto recente deste áureo cronista, intitulado A Propaganda É o Negócio da Alma, operou-se em mim a epifania. O soco no estômago que faltava.
Acresça-se ao incômodo de base, um outro nada desprezível. Sou a imagem corpulenta da mentira primordial. Toda criança é compulsoriamente levada a acreditar em mim, nos meus presentes, na minha suposta predileção pelas bem comportadas. Que covardia!
Tudo às mil maravilhas, até o estalo da bolha de sabão que some no ar, sem deixar vestígios, em geral entre os seis e dez anos de idade, quando institui-se a verdade, e com ela, a traição dos adultos. A minha também, traidor protagonista.
Considero bastante razoáveis, e até, em certo sentido, elogiosos, os motivos que me levam a ressuscitar a honra e o caráter de São Nicolau.
Sinto-me feliz. Se felicidade for o que acontece quando conquisto um melhor ajuste entre os altibaixos das profundidades e os das circunstâncias.
Já me vejo, um ex-peregrino, largado na areia da praia, vendo o pôr-do-sol mais bonito da minha vida, não tirarei foto nem postarei. Esta intimidade com a natureza ficará apenas comigo, e com as minhas mimosas renas, que sem tesão nem fastio, continuarão a ruminar novos pastos, úmidos, depois que a tempestade passar.
Feliz ano novo.
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