A tevê traz imagens de jovens palestinos jogando pedras e soldados israelenses lançando bombas lacrimogêneas e atirando. Isso se passa em Belém, nos é dito.
No canto superior da tela, durante todo o tempo, vemos em destaque um “Ao vivo – Israel”.
As câmeras nos mostram tudo a partir da perspectiva dos soldados. Estes, quando aparecem, estão de costas para nós. Os palestinos, quando jogam as pedras ou quando chutam de volta as bombas, são capturados de frente.
O jornalista está incorporado (embedded na expressão que se fez comum a partir do Afeganistão) ao Exército israelense. Alvo, junto com os soldados, das pedras, é por eles protegido, em princípio. Se estivesse embedded do outro lado estaria basicamente tomando bala.
Porque a sua câmera funciona como os olhos com que nós testemunhamos os fatos, nós também nos sentimos alvos das pedras e nós também sentimos que os soldados com suas metralhadoras nos protegem.
No mesmo canal, uma jornalista comenta o filme que conta a história de um palestino que se apaixona por uma judia. Além da improbabilidade do sucesso do romance, o aspecto dramático da história nos é apresentado assim: “veja bem, o palestino mora em Jerusalém, então já dá pra imaginar…” De fato, nada mais estranho do que um palestino que mora em Jerusalém, nada mais fora do lugar!
Alguém justamente expressava nos últimos dias a sua revolta com as continuadas referências que a imprensa vem fazendo aos “bairros palestinos” de Jerusalém. Como assim? Onde será que fica essa cidade que tem bairros palestinos?
Esqueçamos, por agora apenas, a Palestina histórica, a Palestina do mandato britânico, a Palestina do plano de partilha. Fiquemos apenas, e somente hoje, com a Palestina que todos se acostumaram a aceitar, aquela dos territórios ocupados em 1967, aquela da Cisjordânia e da faixa de Gaza, aquela que os assentamentos israelenses vão abocanhando, mordida após mordida.
É essa Palestina que a minha tela ajuda a matar quando me diz que de Belém se está transmitindo ao vivo de Israel.
O telespectador é levado a se perguntar por que será que esses palestinos, esses estrangeiros à terra de Israel, estão atirando pedras contra as “forças de defesa israelenses”!
Se alguém explicasse ao telespectador que Belém fica na Cisjordânia, que ela é parte do território palestino ocupado, talvez ele corresse o risco de entender que os donos da casa jogam pedras sobre o ocupante, o opressor, o usurpador.
Quando se expressa surpresa com a existência de um palestino em Jerusalém, quando os palestinos são reduzidos a moradores de alguns bairros daquela que é a cidade palestina por excelência, a história do povo e a história da cidade são falsificadas, apagadas, e a injustiça avança vários passos.
Mera inocente ignorância ou conivência criminosa?
Em todo caso, uma vergonha.
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