A Procuradoria da República no Distrito Federal reiterou, a 21/7/2016 denúncia contra o ex-presidente Lula e mais seis pessoas por tentativa de obstrução de Justiça. Hoje, 29/07/2016 a Justiça Federal de Brasília aceitou a denúncia e transformou todos eles, inclusive o ex-presidente Lula em réus.
Eles são acusados de envolvimento numa trama para comprar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerverò.
O grupo é acusado de quatro crimes: exploração de prestígio, lavagem de dinheiro, organização criminosa e patrocínio infiel.
A base da acusação é o depoimento prestado por Delcídio do Amaral a 12 de fevereiro de 2016, reunido no Termo de Colaboração no. 06.
O crime atribuído ao ex-presidente Lula, de embaraço à investigação de organização criminosa prevê reclusão de três a oito anos e multas.
A íntegra do depoimento do ex-senador Delcídio do Amaral é a seguinte:
Em janeiro de 2015 o depoente recebeu e-mail de Bernardo Cerverò, por meio do qual solicitava contato com a família Cerverò ou com o advogado Edson Ribeiro.
Na semana seguinte, o depoente contatou o advogado Edson Ribeiro, momento a partir do qual foram transmitidas as dificuldades que a família Cerverò enfrentava para pagamento de honorários advocatícios.
A família tinha, àquela altura, forte convicção quanto à possibilidade de soltura de Nestor Cerverò.
Os pagamentos pelos serviços de Edson Ribeiro era apenas parcialmente realizados pela Petrobrás, de modo que isto preocupava a família, que se via sem condições de efetuar o pagamento do que restava.
A família, então, inicialmente solicitou a intervenção do depoente junto à Petrobrás.
O depoente, em seguida conversou com Bendine e com um assessor de sobrenome Toledo. A partir daí, foram pagas duas faturas, de aproximadamente R$ 600 mil e R$147 mil, mas ainda havia outras faturas a pagar, as quais tiveram a sua quitação suspensa até que a companhia avaliasse se os respectivos pagamentos eram devidos.
A família do depoente sempre manteve excelente contato com a família Cerverò e, também por isso, esta fez chegar ao conhecimento do depoente a existência de dificuldades financeiras as mais diversas.
O depoente, então, disse que não poderia ajudar financeiramente os familiares de Nestor Cerverò, já que acabara de sair de uma campanha eleitoral e também possuía dívidas as mais variadas.
À medida em que o tempo passava, as mensagens provenientes da família Cerverò passaram a ser menos sutis e mais graves, no sentido de que uma delação de Nestor Cerverò poderia acontecer.
Nesse ínterim, o depoente manteve contato com o ex-presidente Lula na sede do Instituto lula, provavelmente em meados de maio de 2015.
Naquela ocasião, Lula manifestou grande preocupação com a situação de José Carlos Bumlai em relação às investigações do Caso Lava Jato.
Lula expressou que José Carlos Bumlai poderia ser preso em razão das colaborações premiadas que estavam vindo à tona, particularmente de Fernando Baiano e de Nestor Cerverò e que, por conta disso, José Carlos Bumlai precisava ser ajudado.
Lula certamente chamou o depoente para tal diálogo porque sabia que este era ligado a Nestor Cerverò, além de ser do mesmo estado da família Bumlai e que, portanto, ao ajudar as famílias Cerverò e Bumlai estaria contribuindo para salvaguardá-las e a ele próprio, Lula.
O depoente, então, afirmou que possuía afinidade com Maurício Bumlai, de modo que buscaria conversar com este último.
O depoente, em seguida, chamou Maurício Bumlai em um domingo do mês de maio, ocasião, momento em que transmitiu o recado e as preocupações de Lula.
Durante essa conversa, o depoente disse a Maurício Bumlai sobre a situação financeira da família de Nestor Cerverò.
O depoente pode dizer que o pedido de Lula para auxiliar José Carlos Bumlai, no contexto de “segurar” as delações de Nestor Cerverò certamente visaria o silêncio deste último e o custeio financeiro de sua família, fato este que era de interesse de Lua.
O depoente considera, então, que havia uma “chantagem explícita”, realizada inicialmente sobre o depoente e, em seguida, sobre a família Bumlai, por meio da qual deveria ser prestada ajuda financeira à família Cerverò para viabilizar o silêncio de Nestor Cerverò e assim favorecer não apenas José Carlos Bumlai, como também o próprio Lula.
O depoente considera que havia chantagem contra si diante de eventuais colaborações premiadas de Nestor Cerverò e de Fernando Baiano, as quais poderiam indicar o nome do depoente em questões ilícitas.
O depoente, então, temia ser incluído nas investigações do Caso Lava Jato a partir de tais delações, especificamente porque soube que Fernando Baiano havia falado sobre eventual envolvimento indevido na aquisição das sondas Petrobrás 10000 e Vitória 10000.
O depoente pode dizer, então que inicialmente o motivo fundamental para sua intervenção na engrenagem voltada ao embaraço da delação de Nestor Cerverò consistia em evitar que viessem à tona fatos supostamente ilícitos com envolvimento do próprio depoente, além de José Carlos Bumlai e de Lula. Soube disso diante de conversas mantidas com o advogado Edson Ribeiro e com Maurício Bumlai.
Houve concordância de Maurício Bumlai quanto aos pagamentos solicitados pela família Cerverò, tendo o primeiro ocorrido no dia 22/5/2015, no valor de R$50 mil.
Sabe o depoente que Edson Ribeiro repassou este primeiro valor pago a Bernardo Cerverò.
Outros quatro pagamentos, de igual valor, foram realizados nos dias 12/6, 3 ou 4/7, 17/8 e 25/9 de 2015.
O depoente afirma, com certeza, que tais pagamentos ocorreram nessas datas porque o assessor Diogo Ferreira nunca viajava a São Paulo e, no entanto, dito assessor esteve naquela cidade exatamente em tais dias.
O primeiro pagamento ocorreu pelas mãos do próprio depoente para o advogado Edson Ribeiro. Os outros quatro foram entregues por Diogo Ferreira, sendo que três deles para Edson Ribeiro e um para Bernardo Cerverò.
Os pagamentos realizados em São Paulo foram realizados em hotel próximo ao Aeroporto de Congonhas. Maurício Bumlai entregava o dinheiro em espécie para Diogo Ferreira quando ambos embarcavam em um automóvel do primeiro no caminho para o citado hotel. Diogo Ferreira, por sua vez, repassava os respectivos valores aos já mencionados Edson Ribeiro e Bernardo Cerverò.
Portanto, foi entregue à família Cerverò o valor de R$250 mil reais.
O depoente avisou tanto a Edson Ribeiro quanto a Bernardo Cerverò que os pagamentos partiam da família Bumlai, com a concordância da família Bumlai.
Contemporaneamente ao último pagamento, ocorrido em 25/9, a revista Época veiculou notícia dando conta da colaboração premiada de Nestor Cerverò, o que confirma as suspeitas de Maurício Bumlai no sentido de que José Carlos Bumlai fora citado nos anexos elaborados por Nestor Cerverò.
A publicação da revista Época suscitou a cessação dos pagamentos realizados por Maurício Bumlai à família Cerverò.
O depoente, durante conversas mantidas com Maurício Bumlai em Campo grande/MS pressentira os temores deste último e consequente vontade de fazer cessar ditos pagamentos. Maurício Bumlai disse, inclusive, que iria ”parar de pagar porque o pessoal está enganando a gente”.
Paralelamente, por volta de junho de 2015, viajou a São Paulo para conversar com André Esteves a respeito de tais fatos.
Esclarece o depoente que passou a dialogar regularmente com André Esteves a partir de quando assumiu a Presidência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, no início de 2015.
Conhece André Esteves há uns oito ou dez anos.
Então, sempre que ia a São Paulo conversava com André esteves no escritório deste último, ocasiões em que entrava pela garagem ou pela entrada principal.
O objeto de tais conversas girava em torno das granes questões e problemas econômicos e políticos do Brasil.
André Esteves também visitou o depoente no gabinete deste último no Senado.
O depoente mantinha conversas semelhantes com outros banqueiros, muito embora deve ser esclarecido que André esteves sempre foi mais acessível para dialogar.
Um dos temas tratados entre ambos foi sobre a Sete Brasil, considerado “periférico” pelo depoente diante dos outros que os dois conversavam.
André Esteves, com a presidência de Dilma Rousseff perdeu interlocução junto ao governo federal, a qual antes era feita por meio de Antônio Palocci.
A partir de então, como Líder do Governo, o depoente passou a exercer esse papel de interlocutor.
O depoente passou a ser Líder do Governo em abril de 2015.
No mesmo dia 22/5/2015, data em que o depoente efetuou o primeiro pagamento a Edson Ribeiro, também visitou André esteves sem, no entanto, mencionar naquele momento a possível ajuda financeira à família Cerverò.
Ao longo das conversas mantidas com André Esteves, este manifestou preocupação quanto a temas ligados à Lava Jato e que lhe diziam respeito, nomeadamente sobre o embandeiramento de postos de combustíveis havido no estado de São Paulo, quando Nestor Ververò ainda era diretor da BR Distribuidora. André Esteves também expressava preocupação sobre os negócios que mantinha na África, o que ficou reforçado quando o ex-presidente Lula, em outra conversa mantida com o depoente, disse que a real preocupação de André Esteves residia nos negócios da África.
Durante as avaliações que André Esteves fazia sobre as investigações da Lava Jato e ao longo do encontro mantido em setembro de 2015, o depoente incluiu o tema das dificuldades financeiras da família Cerverò e que um valor a ser destinado poderia se situar na ordem de R$1,5 milhão.
André Esteves, em princípio, disse que tinha interesse nos pagamentos para o custeio da família Cerverò em pagar os honorários advocatícios.
André Esteves também sinalizou a realização de outra reunião, para discutir de forma mais detalhada esse assunto.
O depoente não marcou tal reunião de imediato.
O depoente informou à família Cerverò e a Edson Ribeiro que estava em tratativas com André Esteves para que este prosseguisse com os pagamentos.
O depoente contou com a concordância de André Esteves para prestar tais informações à família Cerverò.
André Esteves manteve, em seguida, contato com o depoente em outra reunião, na sede do BTG em São Paulo, para dizer que seria melhor “segurar, por enquanto”, andamento do tema sem, no entanto, fecha as portas para o prosseguimento das tratativas relativas aos pagamentos à família Cerverò.
O depoente, então, colocou a família Cerverò e o advogado Edson Ribeiro em compasso de espera, tendo sido este, precisamente, o momento em que foi gravado por Bernardo Cerverò.
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A gravação
Delcídio: Eu acho que nós temos que centrar fogo no STF. Eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi para o Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com Gilmar também, porque o Michel se dá bem com o Gilmar e eu vou conversar com o Gilmar também. Porque o Gilmar oscila muito, uma hora ele está assim, outra hora ele está ruim. E eu sou um dos poucos caras que conversa com…
Edson Ribeiro: Com o Gilmar?
Delcídio: Não, eu acho que o Renan conversaria bem com ele…
Edson Ribeiro: Então seria bom falar com Renan.
Delcídio: Eu vou falar com o Renan hoje. O foco é tirar ele. Agora, a hora que ele sair…
Bernardo: Eu até pensei em ir pela Venezuela…mas acho que ele se sair vai sair com tornozeleira… tem que tirar a tornozeleira… o melhor seria um barco…eu acho que aí ele chega na Espanha…e até a Venezuela chegar de barco…
Delcídio: Não, não…
Bernardo: Tem um pessoa que faz, cara…eu conheço um cara que trouxe um veleiro agora…
Delcídio: A melhor saída é pelo Paraguai…
Diogo Ferreira: Mas aí tem Mercosul… o pessoal tem convenções com o Mercosul…
Edson Ribeiro: Atravessa o Paraguai e vai embora…eu já vi muita gente sair assim… mas tem convênio… quando tem passaporte, mesmo o espanhol…
Diogo Ferreira: A Venezuela não está no Mercosul… a informação é um pouco mais demorada…
Edson Ribeiro: Quanto você mais dificultar, melhor…
Delcídio: Mas ele vai estar de tornozeleira…
Bernardo: Tem que tirar a tornozeleira… ou a gente conseguir alguém que…
Edson Ribeiro: O ideal seria… ele sai, tranquilo, se o Moro vir com uma nova preventiva, sem motivo nenhum eu entro com uma reclamação no Supremo…
Diogo Ferreira: Tecnicamente o ideal é não fugir agora…
Diogo Ferreira: Você acha que eles estão tentando encaminhar isso pra terminar isso ou não? Tem alguma ideia?
Edson Ribeiro: Tá correndo. Vai entrar em segunda instância agora…não tem efeito suspensivo…esse é o meu medo… qual é? Que o tribunal julgue e não o tire da prisão…
Delcídio: Que tribunal vai julgar?
Edson Ribeiro; No Rio Grande do Sul… esse é que é meu medo…eu vou analisar muito bem a questão esses dias agora, a gente vê o horário, tudo certinho…o que é que dá pra fazer… eu tenho amigos que têm empresa de táxi aéreo… gente bota ele no avião e vai embora…
Bernardo: Esse de pequeno porte eles cruzam?
Diogo Ferreira: Um Citation…
Bernardo: Não, com Citation tem que parar no meio…
Edson Ribeiro: Com Falcon 50 vai direto até lá…
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Se recorda o depoente que conversou com Edson Ribeiro a respeito da perspectiva de ser simulado contrato de consultoria entre o BTG e o escritório de advocacia daquele primeiro, para dissimular os pagamentos à família Cerverò.
Edson Ribeiro passou a trabalhar na concepção dessa simulação depois de ter sido avisado pelo depoente de que este mantinha tratativas com André Esteves para a continuação dos pagamentos à família Cerverò.
Este último assunto, no entanto, não chegou a ser tratado pelo depoente com André Esteves.
Em relação a exercer influência em Ministros do Supremo Tribunal Federal para favorecer, de algum modo, a situação jurídica de Nestor Cerverò, o depoente esclarece que expressou uma bazófia. O depoente rememora haver conversado, unicamente, com o ministro José Dias Toffoli sobre questão relativa ao Tribunal Superior Eleitoral e dando conta da questão do estado do Mato Grosso do Sul.
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