Diário da política: não vai ter Serra

O senador tucano José Serra é hostilizado ao chegar em, Universidade de Lisboa, em Portugal. Foto: Reprodução/YouTube
O senador tucano José Serra é hostilizado ao chegar em universidade de Lisboa, em Portugal. Foto: Reprodução/YouTube

Pouco tempo depois de voltar, em 1982, do Chile, onde fez pós-gradução em Economia sem ter se graduado no Brasil, graças a uma lei chilena, José Serra logo ganhou a fama de pisar no pescoço até dos amigos para alcançar o poder. Ou seja: a presidência da República. Ganhou-a em São Paulo, onde foi secretário da Fazenda de Franco Montoro, por indicação de um de seus filhos.

Na primeira oportunidade em que vislumbrou a possibilidade de subir na escala política resolveu abandonar Montoro em pleno mandato e se ofereceu, em 1985 para ser ministro de Tancredo Neves.

A essa altura sua fama já ultrapassara as fronteiras de São Paulo. Tancredo, que era tudo menos bobo, desconfiado de que se o trouxesse ao governo ele conspiraria para tomar o seu lugar respondeu ao interlocutor, enquanto enrolava sua gravata, como de hábito: “Esse não, o Serra é arrogante e prepotente”.

A segunda oportunidade veio em 1994, com a eleição de Fernando Henrique. Serra trabalhou dia e noite, principalmente à noite, para se tornar seu poderoso ministro da Fazenda, mas FHC, que não era menos bobo que Tancredo achou de bom alvitre colocá-lo num posto em que oferecesse menos perigo de golpeá-lo: ministro do Planejamento.

No segundo governo, mais uma vez Serra cobiçou a Fazenda. Mais uma vez foi rechaçado: ganhou o ministério da Saúde. E aporrinhava o chefe a toda hora, como relatou o cineasta Bruno Barreto, que recentemente produziu uma série com FHC para o Canal Brasil: “Ele está nadando de manhã, o Serra vem interromper ele! É louco, intempestivo do jeito que o Serra é. Deve ser bipolar. Não dorme”. Fez o diabo para aparecer na mídia mais que seu chefe (como FHC já esperava) e se viabilizou como candidato à sua sucessão.

Na campanha presidencial sua fama de golpista somente fez aumentar. Convencido de que perderia se percebessem que era o candidato de quem era (FHC estava com a popularidade no chão) não vacilou em golpear o amigo: escondeu-o acintosamente em toda a propaganda eleitoral. Fez de conta que Fernando Henrique e seu governo não existiram.

Mas não adiantou: perdeu para Lula, o metalúrgico, episódio que deu início ao seu ressentimento com o PT.

Mais adiante, golpeou seus próprios companheiros de partido, aliando-se, em 2004, nas eleições a prefeito de São Paulo a um ex-discípulo de Paulo Maluf chamado Gilberto Kassab. Ganhou a eleição. Logo em seguida, deu golpe nos seus eleitores, abandonando a prefeitura para se candidatar, em 2006, a governador, um magnífico trampolim para chegar aonde queria: a presidência da República.

E deixou a prefeitura nas mãos do ex-malufista.

Em 2010 de novo cobiçou o Planalto e mais uma vez foi derrotado nas urnas, dessa vez por Dilma Rousseff.

O seu rancor em relação ao PT duplicou. Perdeu para o partido pela segunda vez e – mais do que isso – para uma mulher.

Por essa época, além da fama de pisar no pescoço dos amigos ele acrescentou outra: a de desrespeitar as mulheres.

No posto de governador de São Paulo, costumava comparecer à tribuna de honra do Estádio do Pacaembu, para assistir aos jogos do Palmeiras em companhia não da primeira-dama, a chilena Mônica Allende, dançarina do Ballet Nacional do Chile e parente distante de Salvador Allende, que conhecera em 1966, no “exílio”, como seria de esperar, mas de uma jovem política do PT, muito simpática e atraente, palmeirense como ele, que conduzia em seu carro oficial.

Nunca ficou claro qual era a relação entre eles. Até que, em 2013, ele e Mônica se separaram.

No dia 10 de dezembro de 2015 seu viés machista manifestou-se mais uma vez. Durante um encontro social, na casa do senador Eunício de Oliveira, em Brasília, ele, agora senador, aproximou-se de uma rodinha e de chofre disparou para a ministra da Agricultura Kátia Abreu:

– Dizem que você é muito namoradeira!

Indignada, Kátia, recém-casada, devolveu com uma coleção de impropérios e uma taça de vinho no seu rosto. E declarou que Serra era conhecido no mundo político por fazer comentários “inapropriados”.

Para não perder o costume, na recente disputa pela indicação do candidato do partido a prefeito de São Paulo, deu um golpe em José Aníbal, que o ajudou a se eleger e é seu suplente de senador para apoiar seu rival Andrea Matarazzo.

A mais recente incursão no quesito “pisar no pescoço das mulheres” deu-se há poucos dias.

Em companhia do ministro Gilmar Mendes, que vai passar à história do STF como aquele que concedeu dois habeas-corpus instantâneos ao banqueiro Daniel Dantas, preso por, entre outros delitos, oferecer suborno a um policial federal durante a Operação Satiagraha, que o investigava, de Dias Toffoli, o Robin de Mendes e de Aécio Neves, neto de Tancredo, Serra foi a Lisboa com o objetivo de falar mal da presidente Dilma, insistindo em seu intento de apear do poder o partido que o derrotou duas vezes e a mulher que o derrotou uma.

Não satisfeito em ser lembrado por ter se submetido a uma tomografia computadorizada após ser atingido na cabeça por uma dilacerante bolinha de papel, o que só percebeu vinte minutos depois, quando o avisaram por telefone, durante a campanha presidencial de 2010, tudo indica que também ficará marcado por se aliar ao pior do pior da política brasileira em 2016, na criação de um impeachment sem crime de responsabilidade, que até o nada petista ministro Marco Aurélio Melo, do STF, já classificou de golpe.

De tanto tentar golpear os amigos, o partido, as mulheres e os que o derrotaram nas urnas, golpe já virou sinônimo de Serra.

E, tal como daqui para a frente não vai ter golpe, também não vai ter Serra.

   


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