O telefone tocou em casa num domingo de manhã do ano 2000. Não recordo o mês nem o dia.
Quem chamava era Andrea Matarazzo, hoje vereador e pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PSDB, então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República (1999 a 2001) de Fernando Henrique Cardoso, para quem eu trabalhava redigindo artigos para jornais, discursos e, em parceria com Alex Periscinoto, anúncios institucionais.
A pasta de Matarazzo, instalada em São Paulo num dos últimos andares do prédio do Banco do Brasil, esquina da Paulista com Augusta, era também a responsável por distribuir as verbas publicitárias do governo para jornais, rádios, revistas e TVs de todo o Brasil.
Ele jamais tinha me chamado num domingo, fora do expediente. Fiquei curioso para saber o motivo.
“Você é amigo do Sérgio de Souza, não é?” perguntou ele, já sabendo qual seria minha resposta de antemão.
“Sou”, respondi. “Praticamente comecei no jornalismo com ele, com Hamilton Almeida Filho, Mylton Severiano da Silva, Paulo Patarra e Narciso Kalili no ex-. Também trabalhei com Serjão na revista Globo Rural, aos sábados vou às feijoadas da sua mulher, conheço seus filhos”.
“Eu soube” continuou Andrea “que a revista dele, a Caros Amigos está preparando uma matéria a respeito do filho do presidente. Queria te pedir uma coisa. Fala com ele, já que você é amigo. Claro que a matéria deles é furada, porque não tem a palavra da mãe. Mas pode nos fazer muito mal. Essa matéria não pode sair. Diz pra ele o seguinte: se ele não publicar a matéria vai ter todos os anúncios do governo que quiser”.
Fiquei mal de repente. Minha visão escureceu. O coração disparou. Não acreditei. Eu não queria ter ouvido aquilo. Ele jamais deveria ter dito uma coisa dessas. As pessoas com as quais eu começara no jornalismo, Sergio de Souza incluso, tinham horror a qualquer interferência na redação, fosse o departamento comercial, fosse o dono.
Certa vez, Narciso praticamente saiu aos tapas com o governador do Paraná, Paulo Pimentel que era o dono do jornal Panorama por causa disso.
“Você mentiu quando me deu carta branca” gritou ele no meio de uma roda de jornalistas que acabavam de ser demitidos.
“Ninguém me chama de mentiroso na minha casa”! devolveu Pimentel. “Repita se for homem”!
“Você é um mentiroso”! repetiu Kalili.
Pimentel partiu pra cima dele, mas os seguranças não deixaram chegar às vias de fato.
A redação era o território sagrado dos jornalistas, nunca abrimos mão disso.
Por outro lado, naquele momento eu trabalhava para ele. Embora essa tarefa não estivesse incluída no contrato de trabalho se eu a recusasse correria o risco de perder o emprego, do qual precisava para pagar minhas contas.
“Não vou fazer isso” respondi. “Conhecendo o Serjão como conheço, tenho certeza que, além de não aceitar a proposta, porque ele não faz essas coisas, não é da índole dele, ele ainda vai incluir esse episódio na reportagem, o que vai piorar as coisas para o governo. A emenda será pior que o soneto. É um plano furado”.
Ele insistiu um pouco, mas logo depois desligamos, eu convencido de que tinha feito a coisa certa e ele certamente aborrecido com minha recusa em “colaborar”.
O plano naufragou. A reportagem foi publicada. Mas para mim ficou a nítida sensação de que houve ao menos uma tentativa de utilizar o poder do estado e de forma nada republicana para resolver um caso pessoal envolvendo o presidente da República.
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