Diretas Já! Há 30 anos, São Paulo começou a derrubar a ditadura

A ditadura militar começou a ser combatida tão logo se instalou, em abril de 1964. Eu estava lá, eu vi. Cada pessoa e cada grupo que não admitiam viver sob o regime de exceção que prendia, censurava, torturava e matava para impor-se lutou como pôde e à sua maneira. Os mais radicais resolveram se transformar em guerrilheiros, por volta de 1966. Colegas meus do Colégio de Aplicação, por exemplo. Caíram na clandestinidade, atacaram quartéis, assaltaram bancos, sequestraram embaixadores, foram presos, torturados e assassinados.

Outros combateram sem codinome. Estudantes que organizavam passeatas e comícios – em 1968 acertaram uma pedra na testa do governador Abreu Sodré. Deputados que jamais deram trégua aos ditadores e a seus atos em discursos combativos. Jornalistas cujas publicações da imprensa alternativa nos anos 70 pareciam – e eram – armas tão letais quanto metralhadoras. Artistas que saíram dos palcos e dos estúdios de TV para as ruas.

Todos eles, não sei dizer quantos, mas certamente alguns milhares, foram importantes no papel de arrancar os usurpadores do poder. No entanto, quem deu o último piparote que derrubou as cartas do castelo foi a cidade de São Paulo. E, mais precisamente, o governador Franco Montoro – porque sem ele nada disso teria acontecido. O Movimento Diretas Já! nasceu em dezembro de 1983 e foi estruturado na casa do Jorginho Cunha Lima, braço direito do governador Montoro e logo disseminado em camisetas amarelas. O amarelo tornou-se a cor oficial das diretas. E do Brasil.

E por determinação de Montoro, um democrata-cristão que jamais foi de esquerda, filiado ao PMDB e cujo nome homenageia um ditador espanhol, o primeiro comício do movimento deu-se a 25 de janeiro de 1984 em São Paulo. Na Praça da Sé. A praça onde, em 1968, o governador Sodré foi apedrejado. A praça onde, em 1975, Vlado Herzog foi ressuscitado na maior missa ecumênica da história da cidade. Era preciso um governador ter muita coragem para se rebelar contra o poder central vigente havia 20 anos. Montoro cumpriu esse papel. A partir do estrondoso sucesso do comício de 25 de janeiro – casa cheia ou melhor, praça cheia – o movimento empolgou o Brasil. A Globo noticiou como “festa de aniversário da cidade”, motivo pelo qual há 30 anos Boni tenta se justificar e contestar sua (dele e da Globo) submissão total aos ditadores, graças à qual ele e a Globo ficaram riquíssimos.

Os radicais de 68 gritavam “abaixo a ditadura”; Montoro gritava “diretas já”. Se não tivesse havido radicais, não teria havido Montoro. Mas se não tivesse havido Montoro não haveria Diretas Já. Ninguém faz um movimento desses em todas as capitais do país sem muita grana. Montoro colocou grana. Imagina o custo de um palanque enorme… de um sistema de som… milhões de camisetas, de bandeirinhas etc etc. Não se faz uma campanha dessa de bolsos vazios. Quando, alguns meses depois, ainda em 1984, a emenda das Diretas Já foi rejeitada pelo Congresso Nacional onde a ditadura tinha maioria muitos decretaram a derrota do movimento. Entretanto, em janeiro de 1985 esse mesmo Congresso elegeu presidente da República o candidato das Diretas Já, Tancredo Neves e não o da ditadura, Paulo Maluf. O movimento foi vitorioso. A ditadura acabou um ano depois. Sobreviveu até à morte de Tancredo. Há casos em que a emenda fica melhor que o soneto. Nesse, o soneto ficou melhor que a emenda.


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