Por que os organizadores resolveram chamar o evento deste domingo de protesto “contra a corrupção”, e não “pela deposição da presidenta Dilma”, que é o verdadeiro motivo? Primeiro porque assim vão atrair mais gente. Tem muito mais gente contra a corrupção do que contra o governo, isso é evidente. Aliás, todo mundo é contra a corrupção.
A malandragem é que esse volume de gente na rua vai aparecer nos jornais de amanhã como os que rejeitam a presidenta, engrossando o caldo dos que defendem o impeachment. Nem todos ali rejeitam o governo – apenas a corrupção –, mas serão usados como número para justificar o impeachment no plenário da Câmara do Cunha, ops, dos Deputados.
Eles não estão inovando nada. No dia 19 de março de 1964, multidões invadiram as ruas de São Paulo, lideradas pelas mesmas forças conservadoras da política, da mídia, da religião e do empresariado, sob o slogan “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.
Ora, quem vai ser contra a família? Contra Deus? Contra a liberdade?
Um milhão de ovelhas foram às ruas. E somente 12 dias depois souberam que foram usadas como massa de manobra para justificar o golpe militar de 31 de março. E ajudaram a derrubar o presidente eleito João Goulart, abrindo as portas para 21 anos de terror político e atraso cultural, social e econômico.
Mas há um segundo motivo para eles disfarçarem o verdadeiro objetivo da marcha. É que derrubar governo não é permitido pela Constituição brasileira. O artigo 136 do Título V, “Da defesa do estado e das instituições democráticas”, faculta ao presidente da República, sem, nas primeiras 24 horas necessitar de autorização do Congresso Nacional, decretar o “estado de defesa”, durante a vigência do qual, dentre outras medidas que garantam a continuidade do governo eleito, podem até ser presos os que conspiram contra as instituições democráticas.
Um instrumento semelhante, porém mais radical, o “estado de sítio” permitiu o desmantelamento, em 1955, da conspiração que tentava impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitcheck e de seu vice João Goulart. Alegavam os conspiradores, entre os quais o presidente no poder, Carlos Luz, que eles não deviam assumir por não terem obtido mais de 50% dos votos, o que na época não era exigido.
Embora tenham perdido no STF, que confirmou a legitimidade dos eleitos, os conspiradores não se conformaram e só foram barrados quando o então ministro da Guerra, Marechal Lott, valendo-se do estado de sítio afastou manu militari o presidente Luz, que se escondeu no navio Almirante Tamandaré para não ser preso e nomeou o presidente da Câmara, Nereu Ramos, que não estava na conspiração em seu lugar e que passou a faixa a JK.
Os organizadores poderiam ao menos dar ao protesto o seu verdadeiro nome. Algo como “Marcha da Família contra Dilma e contra a Constituição”.
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