Meus últimos trabalhos, após minha saída do restaurante onde passei quase quatro anos, estão focados em assessoria de serviço em outros estabelecimentos. Confesso que, quando me contataram, fiquei resistente e só aceitei os restaurantes que eram de amigos, cujo trabalho já conhecia. Após quatro meses nessa tarefa, vejo coisas positivas e negativas que fazem repensar toda a área de serviço. O lado positivo é, sem dúvida, o aprendizado em relação à estrutura, que reflete diretamente no serviço: recursos humanos, administração, gestão de almoxarifado, tudo reflete no serviço. Entender isso foi um presente.O lado negativo foi me deparar com um setor deixado de lado e mal compreendido pelas outras áreas do restaurante e pelos clientes. Servir é uma arte construída não só com dom, mas com treino, paciência e requinte de técnica.
É óbvio que algumas pessoas estão mais vertidas a responder melhor à área que outras, uma vez que lidar com humores e expectativas de forma ágil, gentil e eficiente não é “bolinho”. Porém, a gestão de serviço e do material humano (mão de obra) é praticamente inexistente, e talvez por isso eu tenho sido solicitada para efetuar tais tarefas. Comecei a analisar o mercado e a relembrar as práticas estabelecidas nos restaurantes para sugerir mudanças. Não existe incentivo dos restaurantes para criar planos de carreira aos funcionários, o que causa desmotivação direta.
Os salários e a engrenagem financeira são informais e facilitam práticas mercenárias (funcionários que trocam de emprego por pouquíssimo dinheiro a mais), além da tensão que existe entre funcionário e restaurante, pois os processos trabalhistas se tornaram práticas comuns devido à informalidade. Erradas estão as duas partes: os funcionários que levam ações adiante, de forma arbitrária, e as empresas que, pagando o funcionário “por fora”, dão um tiro no pé, pois perdem as ações trabalhistas quando existe o repasse da taxa de serviço (caixinha) envolvida, que é repassada para os funcionários sem entrar no holerite. Isso é o comum do mercado. Os funcionários se habituaram a isso e, para as empresas, é uma maravilha porque não pagam impostos de forma integral.
Alguns restaurantes estão mudando essa prática e colocando tudo o que é pago da maneira que precisa ser: no holerite. De pronto, os funcionários reclamam dos descontos em folha para pagamento. Mas muitos se alegram, e com razão, com o aumento no fundo de garantia e os benefícios de ter montante maior no holerite, como facilidades para comprovação de renda, que se tornam decisivas para, por exemplo, fazer um financiamento para a casa própria.
O setor deve sofrer este ano, que já começou com preocupações em relação ao movimento de clientes. Esses também têm sofrido com a alta de preços nos cardápios, reflexo da inflação. Essa alta de preços favorece as críticas ao ser- viço, pois a experiência acaba não sendo condizente com o que se paga. Falta, obviamente, compreensão dos clientes com o serviço por pura falta de informação quanto às engrenagens que movem esse negócio. Mas falta também profissionalizar o ramo de restaurantes para que o serviço não fique tão sensível. Acredito que somente uma mudança na rotina da profissão poderá melhorar o atendimento.
Por isso, digo: garçom, uma profissão que admiro tanto e escolhi como meu ganha pão, dias melhores virão!
*Diretora de Profissionais da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo
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