[11 de 100] O encontro marcado com Fernando Sabino

No último dia de aula do colegial, três amigos adolescentes combinam se encontrar na porta da escola quinze anos depois. O tempo era mais ou menos o mesmo da idade de cada um e o prazo estabelecido correspondia ao período em que a maioria das pessoas vive as descobertas da vida, buscam uma profissão, um amor, casam-se, têm filhos e podem conferir se a vida valeu mesmo a pena ou foi marcada por frustrações e decepções profissionais e pessoais. Quando escreveu O Encontro Marcado, o escritor mineiro Fernando Sabino (1923-2004) estava ainda na fase inicial dessa caminhada, em 1956. Assumidamente autobiográfico, o romance explora a vida de um garoto arrogante com pretensões de ser escritor, que vai aprender com seus erros, até se decidir pela procura por um sentido para a vida, como qualquer um mortal, nas muitas encruzilhadas que a vida traz no dia a dia. 

Sutil sem deixar de ser profundo e intensamente psicológico, O Encontro Marcado foi estruturado com situações de humor, desespero, desencanto, egoísmo, arrogância, cinismo, valores moralistas, prazeres, voyeurismo, melancolia e esperança. Por tudo isso, toca fundo nas emoções mais íntimas do leitor. Não por acaso, tornou-se para muitos críticos e biógrafos de Sabino o romance de toda uma geração de brasileiros do pós-guerra, quando o Rio de Janeiro ainda era a cidade maravilhosa, mas o país estava mais perdido que nunca politicamente. Poucas obras da literatura brasileira – e até universal – têm a intensidade desse livro de gente grande escrito por um quase menino. O autor exercita a literatura como terapia de autoconhecimento, de repensar a própria vida e definir um caminho a seguir. Em meio a confusões e inseguranças da vida, quando a pouca idade está mais contra que a favor, ele biografa o jovem escritor Eduardo Marciano e exterioriza suas angústias, em meio à existência boêmia intelectual intensa. Ele está perdido em relação à própria vocação da escrita e sua afirmação como homem das letras.

Tudo isso se passa numa época de incertezas e medos, de um mundo fragilizado pela possibilidade de uma guerra final, por causa da bomba atômica, e de um país instável, há pouco abalado pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas (1882-1954) e pelas tentativas golpistas de impedir a posse do presidente Juscelino Kubistchek (1902-1976). A saga de Marciano é contada por um narrador muito próximo do personagem, que o apresenta como um filho único mimado que parecia ter toda a liberdade para ser feliz e, no entanto, não conseguia por ser inquieto demais. Com humor, o narrador explica que a primeira derrota do moleque foi ver sua galinha de estimação Eduarda virar o almoço de domingo da família. Criado por pais complacentes, cheio de vontades e de atrevimentos, Marciano gostava de testar a paciência das pessoas, como qualquer garoto de sua idade. Vivia atrás de um desafio para atingir alguma conquista e mostrar que era o melhor. A paixão por uma colega da escola – ótima aluna – levou-o a tentar ultrapassar seus limites. Ou seja, ocupar o primeiro lugar na sala e ganhar a admiração da garota. Conseguiu, mas logo perdeu o interesse por ela. Viu que podia ir longe.

Menino precoce, Marciano descobriu o sexo quase ainda criança. E seu talento para a escrita, que lhe rendeu o segundo lugar num concurso literário. Ao buscar o dinheiro do prêmio no Rio de Janeiro, torrou tudo e passou privações. “Saiu pela rua, mão no bolso, sentindo que naquele momento começava a viver. Pobreza, fome, miséria foram experiências vivenciadas intensamente e se tornaria matéria-prima para se tornar escritor. Voltou para sua cidade e escreveu um conto em que dizia isso e o mandou para um concurso de ficção. Levou uns trocados e aprendeu que “na vida tudo seria assim, a solução se apresentando imediatamente, mal começasse a buscá-la, gozando assim as dificuldades do problema?”Não demorou a quebrar a cara de novo por apostar nessa ideia. Marcou-o profundamente o suicídio de um amigo, Jadir, filho de pai alcoólatra, mãe desregrada e irmã saliente. Os dois tiveram, no dia anterior, uma bizarra conversa sobre tirar a própria vida. Jadir, horas depois, deu um tiro no peito.

Fernando Sabino, com uma visão aguçada para tudo à sua volta, transforma costumes ruins de uma época em matéria-prima de sua história, como os preconceitos comuns que regem a vida numa cidade provinciana do interior, com ênfase no comportamento íntimo ou social. E essa discussão aparece nas entrelinhas, o ambicioso Marciano segue em sua busca para ser o melhor em tudo, até mesmo na natação, o que deixava o pai preocupado quanto aos estudos, pois queria vê-lo formado. Essa expectativa seria frustrada. Até decidir que seria escritor e, com a orientação de um amigo do pai, especialista na escrita, ele se inicia na leitura de grandes escritores como base para se formar. Quando tenta, porém, não consegue escrever o romance que tanto quer. No dia da formatura do colégio, quando terá de encarar a vida para valer a partir do dia seguinte, na despedida, Eduardo, Mauro e Eugênio decidem marcar um encontro naquele mesmo lugar, 15 anos no futuro. Até lá, cada um seguira seu destino.

A esperança da reunião tanto tempo depois vai alimentar uma expectativa intensa até o fim do livro. Marciano direciona sua vida para a boemia, quase nenhum estudo, pouco trabalho e muitas aventuras. E o resto é um romance inesquecível, com uma daquelas histórias em que, ao final, a trama nunca mais sairá da cabeça e a vida de quem lê não será a mesma. Uma sensação excepcional que só os grandes clássicos causam em todos nós.


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