A década de 1970 foi a penúltima, até o momento, a ter uma identidade visual marcante, seguida pelos anos de 1980, com sua androgenia tão ressaltada – cabelos moldados a laquê, roupas coloridas berrantes e flerte com o trash e o gay. Se os anos de 1950 são tão lembrados por ícones como o rock and roll, os vestidos rodados, brilhantina nos cabelos dos rapazes, casacos de couro, os carros de James Dean e as motos de Marlon Brado, os turbulentos 1960 ficaram eternizados pelos hippies, a minissaia, os cabeludos e o aspecto psicodélico. Os dez anos seguintes seriam retratados pelas calças boca de sino, tamancos de madeira masculinos, cabelo Black power e a discoteca, além do estilo residual da contracultura, em uma época aonde as forças de Eros e Thanatos pareciam atuar sobre o comportamento dos jovens. As roupas de gostos duvidosos, aliás, estenderiam sua hegemonia até 1990. Em todos esses períodos, no entanto, havia algo de importante que ia além da aparência apenas. Tinha a ver com identidade e crença no futuro.
A geração de 1970, por exemplo, viveu a empolgação dos sonhos e das conquistas vindos da revolução sexual e do movimento feminista dos dez anos anteriores – que fizeram nascer novos conflitos sociais e de relacionamentos pessoais ou familiares, onde se sobressaia uma sensação de se estar perdido em meio à liberdade tão cara e duramente conquistada nas ruas, sob gritos e passeatas por seus pais ou irmãos mais velhos. Nesse sentido, o romance “Virgens Suicidas”, de Jeffrey Eugenides, publicado originalmente em 1993 nos EUA – no Brasil, saiu um ano depois, pela Rocco, com tradução de Marina Colasanti –, tem uma força narrativa impressionante por retratar todas as agruras desses tempos tão sombrios e de ressaca existencial da vida americana. No livro que consagrou seu autor como uma das mais promissoras estreias da literatura de seu país no fim do século XX – confirmada depois com o premiado Middlesex, vencedor do Pulitzer, em 2002 –, Eugenides usa a ficção para fazer o leitor dar um mergulho profundo em um período pouco compreendido e subestimado da vida americana apenas como uma “estiagem” dos grandes acontecimentos da década anterior.
De forma criativa, o autor conta uma intrigante história, sedutora e enigmática, que se passa em um típico subúrbio americano, com claros toques autobiográficos. Ali, em um período curto de tempo, cinco irmãs adolescentes da família Lisbon – Cecilia (13 anos), Lux (14), Bonnie (15), Mary (16) e Therese (17) –, criadas a partir de costumes severos e sem concessões aos novos tempos, são observadas a certa distância por um grupo de garotos que alimenta uma paixão platônica juvenil por todas elas. Claro que cada um tem a sua preferida. São desejadas e alimentam fantasias adolescentes das mais imaginativas possíveis. Lindas em sua beleza juvenil, porém reprimidas pelos pais que são extremamente religiosos, as “virgens” da vida despertam interesse também de toda a vizinhança. Em especial, após a tentativa de suicídio da mais nova delas, Cecilia, que corta seus pulsos dentro de uma banheira durante o banho. Questionada pelo médico que a salvou sobre o motivo que a tal gesto, depois de ele dizer que não a entende, a moça responde: “É óbvio, doutor. Você nunca foi uma menina de 13 anos.” Estava nessa frase a pista para Eugenides ressaltar o sentido de seu romance: o desencanto de uma geração perdida e desenganada.
Recuperada fisicamente, Cecilia nunca mais volta a ser a mesma. Passa a ser vista por todos como a irmã estranha e “meio maluca” dentre um grupo de garotas encantadoras. Ninguém pode imaginar, a essa altura, que tudo não passa de dissimulação e todas elas trazem em si um sentido trágico de brevidade para as suas vidas. A menina dá motivos para o falatório, pois usa o tempo todo um vestido de noiva velho e sujo, modelo da década de 1920 e não costuma conversar muito. Não é só a idade, mas a criação sem vaidades, longe dos bailes da escola ou aproximação dos garotos que a incomoda. A partir deste evento preocupante, toda a família volta suas atenções para Cecilia. A mãe, fanática religiosa assumida, cria as filhas com linha dura, não as deixa usarem maquiagem ou frequentarem eventos escolares, e controla com mão de ferro o que elas vestem. O pai, professor de matemática, mesmo durante o trabalho, fica de olho em suas filhas na escola. Tanta opressão parece estimular Cecilia a decidir que vai tentar se matar de novo. Mas não se sabe exatamente o que a motiva. A oportunidade vem no momento em que sua mãe permite uma festa em sua residência para tentar anima-la. As meninas se divertem e Cecilia parece estar bem. De repente, minutos depois, todos na casa escutam o barulho estranho de uma queda. Cecilia cai sobre a grade que cerca a casa e morre ali mesmo, perfurada pelas lanças.
A família consegue lidar com a tragédia. Principalmente o pai, que se isolava cada vez mais do mundo. A mãe abandona a disciplina e a limpeza da casa, que se torna um lugar bagunçado. As filhas seguem o mesmo caminho e se fecham ainda mais. Lux, de 14 anos, mostra-se ousada e resolve usar o sexo como válvula de escape. Conhece, ninguém sabe como, vários garotos, recebe-os em sua casa e os leva para o telhado. Mas ela continua tão infeliz quanto as outras irmãs, movidas pelo choque causado pela morte da caçula. Como uma maldição, no período de um ano, todas as Lisbon se matam, por meio de comprimidos, enforcamento e outras formas válidas para que, uma a uma, encontrem seu caminho para a morte, como se houvesse um pacto entre elas. O gancho que prende a atenção do leitor nessa trágica história a partir desse momento é descobrir os motivos de todas essas mortes. Afinal, a tragédia marca em demasia a rotina da vida do bairro. Tanto que uma “investigação” é iniciada pelos garotos da vizinhança, que se resume a meras especulações e impressões deles mesmos, no primeiro momento.
Vinte anos depois, porém, eles retomam a história e conseguem reunir um mórbido acervo de evidências, que vão desde entrevistas com parentes até diários e boletins escolares com as notas de química delas. Embora detetives amadores, os rapazes se revelam determinados a descobrir qual a razão das mortes. A intenção de Jeffrey Eugenides é fazer com que eles tentem descobrir as peças deste quebra-cabeça que é a alma feminina e sua névoa muitas vezes impenetrável. E desse modo a narrativa prossegue, com a mistura de relatos dos vizinhos dos Lisbon, ainda fascinados pelas meninas, cujas imagens sobrevivem de modo intenso e mórbido em suas memórias e lembranças. Ao falar delas, os jovens misturam relatos da época em que Cecilia se matou a fatos presentes – relatos colhidos de pessoas envolvidas com elas, inclusive. São detalhistas a ponto de falar do jeito angelical delas caminharem pelo corredor do colégio. Concluem que algo que não sabem o que é as levou a fazer um acordo de morte. E assim Cecilia, Lux, Bonnie, Mary e Therese renascem, em contraposição ao jeito autoritário da senhora Lisbon.
À medida que a história avança, elementos narrativos são agrupados e se sabe, por exemplo, que os meninos continuaram admirando e lutando pelas meninas até o último minuto de vida de cada uma delas. Essa estrutura fragmentada – as memórias que são espaças – e de certa originalidade para contar a história das Lisbon faz de “Virgens Suicidas” um romance diferente e inteligente, com um raro amadurecimento narrativo, que é enfatizado pela jovialidade do autor. Quando tudo se junta nesse imenso mosaico, percebe-se que a trama não é apenas sobre cinco irmãs que decidiram se matar, simplesmente. Trata-se de uma história bem mais delicada e profunda, sobre paixões juvenis – a devoção desses garotos e a tristeza irremediável dessas meninas –, e a incomunicabilidade que se estabelece nessa frágil e intensa idade em relação ao mundo dos adultos. Tudo captado de forma sensível e delicada para o cinema por Sofia Coppola, em 1999, no seu filme de estreia como diretora, valorizado por uma trilha sonora arrebatadora.
Jeffrey Eugenides é hoje um dos mais cultuados escritores norte-americanos, graças a esse romance que retrata a desilusão de uma geração em seu país, em uma envolvente história original, narrada por uma espécie de coro semelhante ao das tragédias gregas, como identificou a crítica. A sutileza talvez não cause grandes impactos em quem lê um acontecimento tão trágico na vida de uma família. Não há discurso contundente sobre a época que se quer tratar. Esse é o grande mérito porque certa angústia se acentua à medida que os temores e os medos dos personagens ganham mais dúvidas e conflitos do que soluções. Exatamente como no mundo real.
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