Posso estar enganado, claro, mas a impressão que me deu nesta sexta-feira esquisita em São Paulo, faltando apenas oito dias para irmos às urnas eleger o novo presidente da República, é que os ânimos começaram a se acalmar, depois do intenso tiroteio midiático-eleitoral dos últimos dias.
É como se todo mundo tivesse combinado que era melhor dar uma trégua porque a escalada radical estava chegando a um perigoso ponto de combustão. Até as manchetes hoje trataram de outros assuntos e inclusive deixaram escapar algumas notícias boas nas primeiras páginas.
O ar ficou mais respirável. Os programas eleitorais, desde quinta-feira, seguiram na mesma linha, apresentando propostas para melhorar o país, com mais música e gente sorrindo em lugar de denúncias e ameaças.
Certamente deve ter contribuído também para esfriar as cabeças a chuva que voltou a cair na cidade no meio da tarde. Melhor assim. Daqui a pouco, sairá mais um Ibope, amanhã vão às bancas as últimas revistas semanais antes da eleição, faltam poucos programas eleitorais a serem levados ao ar. O jogo está jogado.
Nestas horas é sempre bom saber o que anda refletindo sobre a vida um dos nossos mais brilhantes pensadores, o meu velho amigo Leonardo Boff. Em meio a tantas mensagens, tive a sorte de encontrar um artigo dele comentando a campanha eleitoral e o comportamento da mídia _ nem o teólogo conseguiu escapar do assunto dominante da semana.
Leonardo lembra logo no primeiro parágrafo de um projeto em que trabalhamos juntos, o do livro “Brasil Nunca Mais”, nos tempos em que escrever e editar textos sobre o que estava acontecendo no país implicava em correr risco de vida. Quem faz belos discursos hoje sobre as “ameaças à liberdade de expressão e em defesa da democracia” hoje não viveu aquele tempo de trevas ou não sabe do que está falando. Ou está querendo enganar alguém, achando que todo mundo é bobo e esquecido.
Por isso, acho oportuno reproduzir para os leitores do Balaio o texto de Leonardo Boff distribuído pela Rede de Cristãos, um informativo eletrônico publicado sob a coordenação editorial de Maria Helena Arrochellas. Para quem desejar mais informações: bolrede@terra.com.br
A seguir, a reflexão do grande teólogo que consegue aliar a teoria à prática de uma vida solidária.
A MIDIA COMERCIAL EM GUERRA CONTRA LULA E DILMA
Leonardo Boff*
Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso” pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.
Esta história de vida, me avaliza fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa.
Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.
Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública.
São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja, em que se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.
Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do país, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.
Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.
Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.
Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles têm pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascendente como Lula.
Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidene de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.
Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de “fazedores de cabeça” do povo.
Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.
O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceitual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros.
De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa se fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, a melhorar de vida, enfim.
Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão social e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome.
Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.
O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil.
Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela Veja faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais, não somente com referência à terra, mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.
O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista? Ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes?
Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.
*Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.
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