Estive em São Paulo em junho/julho. Na noite da despedida, já de malas prontas para voltar a Nova York, amigos me levaram para comer uma pizza no velho restaurante Camelo. É daquelas casas tradicionais da cidade, ali na Rua Pamplona, e a gente morando fora fica achando que já fechou muito tempo atrás. Mas, tombada pelo Patrimônio Histórico do Paladar (esta instituição extraoficial e, portanto, competente), a pizzaria mantém-se firme. Em meio a mezza mussarelas/mezza calabresas, ou escarola e atum, vimos chegar uma comitiva enorme. Este último adjetivo vale tanto para o número de pessoas, quanto ao peso delas. Eram todos homens, já pra lá da meia-idade, e vestidos com os paramentos do Palmeiras. A primeira impressão foi a de que se tratava da orquestra do Glenn Miller: só tinha corneteiro.

Entre uma garfada de escarola e outra de mussarela, lembrei-me do amigo professor Luiz Gonzaga Belluzzo, o atual presidente do time do Parque Antarctica. Era evidente que a ala dos metais presente no Camelo estava se abastecendo para novas investidas contra o melhor líder já eleito pelos palestrinos. Vi em replay mental as imagens do corajoso economista-torcedor batendo boca com a chusma da “Mancha Verde”, depois da desclassificação do time na Taça Libertadores. Exasperado, Belluzzo esbravejava: “Eu briguei contra a ditadura, não vou discutir com moleques!”

A frase, apesar de ultraverdadeira, era, é claro, pérola aos porcos – ao pé da letra em todos os sentidos. Belluzzo, corajoso, de fato lutou pela melhoria do Brasil, e continua na mesma batalha nestes tempos democráticos. A paixão pelo Palmeiras o fez assumir a presidência da agremiação. Tinha esperanças de limpar o chiqueiro que há muitas décadas implora vassoura, escovão e as águas claras da moralidade. E em tempo recorde conseguiu aquilo que, até então, seria julgado impossível: a simpatia de outras torcidas. Ouvi de tricolores, como o diretor desta Brasileiros, Hélio Campos Mello; santistas, como o Rei Pelé; e corintianos, como os jornalistas Nirlando Beirão e Wagner Carelli, as mais ardentes expressões de carinho e desejos de sucesso para o professor amigos de todos. Um milagre digno de um São Obama.

Claro que ninguém quer que o Palmeiras seja campeão de nada além do torneio de truco. Mas espera-se que uma administração limpa, inteligente, criativa e democrática surja lá pelos lados do Parque Antarctica, como um farol inspirador para o futebol brasileiro. Pelo que se viu até agora, o verde das fardas militares da ditadura serve de inspiração aos totalitários das arquibancadas – sejam eles palmeirenses ou de outros quartéis.

Em meio às cornetas que sopravam no Camelo, destoava um clarim de tom espanhol, como aquele que anuncia touradas em Madri. Era, reconheci depois, o icônico Luizão Pereira. Trata-se de outro exemplo de coragem – como mostrou no jogo contra a Holanda na Copa de 1974, quando foi expulso por ser macho. Saiu mostrando a camisa amarelinha à torcida adversária, onde estava o peçonhento Henry Kissinger. Ele, que sobreviveu à GM, e continua impávido com o apelido de Chevrolet. Será que concorda com a canção desafinada entoada por seus companheiros de mesa?

Ao meu lado estava o ator – e expert futebolístico – João Signorelli, que, com o espetáculo-monólogo Gandhi, vem levando as palavras sábias do Mahatma aos quatro cantos do Brasil. Teria sido muito útil à turma palmeirense ouvi-lo. Mas só Luizão Pereira o reconheceu. O veterano craque saudou Signorelli, em portunhol – o idioma que adotou de modo definitivo, depois de ter jogado tantos anos na Espanha. Deu-me vontade de sair gritando: “Olé Luizão, Olé João, Olé professor Belluzzo!”.


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