Estou cancelando as minhas assinaturas das revistas Esquire e GQ. É a crise. Não se trata de economizar meros US$ 25 por ano – que é a média do custo de subscrição dessas publicações com desconto para profissionais de jornalismo. O problema é a raiva que as páginas motivam aos leitores, como eu, sem carteiras gordas. As reportagens e textos literários que marcaram gerações foram substituídos por guias de compras. E, pelo visto, só o Warren Buffet tem bufunfa para encarar as sugestões de consumo.

Exemplo: na edição de novembro da Esquire – com a bela Halle Berry na capa e apontada como a mulher mais sexy do planeta – há uma seleção de relógios de pulso. Entre as peças está o “Jacob & Co. Quenttin 31-day Power Reserve”. O mostrador parece uma minimáquina caça-níqueis. Mas o bicho só conta minutos e horas. Ou seja, não solta raio laser, não serra algemas, não dispara petardos, não serve como telefone e fax: não é um acessório bélico do James Bond. O preço do mimo: US$ 360.000 (trezentos e sessenta mil dólares). Deve vir empacotado num Lamborghini Gallardo (um zero-quilômetro sai por US$ 350.000).

Pode-se imaginar que o relógio é apenas uma curiosidade, entre outras amostras. Não é! A peça mais barata do grupo de 25 medidores de horas é um Raymond Well de US$ 1.250. Recomendam os editores que esse exemplar seja usado com um smoking, que curiosamente pode ser comprado por menos da metade do preço do acessório: US$ 600.

Os desconfiados vão dizer que peguei itens exagerados. Mas, quando se vê nas páginas seguintes a recomendação de um hidratante de pele, para homens, pela bagatela de US$ 72, e cujo conteúdo caberia num dedal, dá para sentir o drama. Quem compra essas coisas?

A GQ, do mesmo mês, dá a dica de uma luva de cashmere, sem as pontas dos dedos – como aquelas usadas por mendigos de caricatura. Pode ser comprada por US$ 480. Por essa grana espera-se, pelo menos, uma luva inteira. O freguês paga uma fortuna para ter hipotermia na falangeta. Uma calça jeans de lenhador (para aqueles que moram numa urbe, mas têm fetiche com machão trabalhador rural), custa US$ 400. A bota que acompanha a fantasia pode chegar a US$ 625. O suéter Dolce&Gabbana, de lã já previamente malhada e com manchas, vai diminuir sua conta bancária em US$ 950. A camiseta da mesma marca come US$ 375, e a camisa xadrez, US$ 179. Não dão os valores das meias e cueca. A soma para esse uniforme ecologicamente incorreto dá US$ 3.009, sem contar as roupas de baixo.

Recentemente, minha sogra me deu de presente um terno Ralph Lauren – Purple Label, que é top da marca – comprado numa liquidação por US$ 210. Só não vesti ainda porque tenho medo de apanhar na rua: fico parecido com banqueiro e a turma não anda perdoando essa escumalha. No entanto, caso saísse de lenhador, passaria incólume por Wall Street, ainda que houvesse torrado mais de 14 vezes o valor de uma fantasia de financista.

Numa edição passada da Esquire, imprimiu-se uma lista com sugestões de pastas feitas com couros de répteis. A mais barata custava US$ 5.000. Por esse preço quero uma mala ‘aspone’ feita com a pele do René Lacoste (aquele tenista francês que era apelidado “Jacaré” e deu origem às camisas que têm o animal como logomarca).

Tanto a GQ quanto a Esquire já tiveram suas páginas ocupadas com reportagens magníficas de Tom Wolfe e Gay Talese. Ambos são extremamente elegantes, preocupados com suas vestes e entendem um bocado dos trabalhos de alfaiataria. Escreveram livros sobre isso. É simbólico que esses escribas já não produzam um único centímetro de texto para as publicações. Não devem ter grana para comprar os trajes exigidos nas reuniões de pauta.


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