Dia desses, fui fazer matéria no Lower East Side de Manhattan. Caía uma garoa fininha e gelada. Era como se estivesse chovendo agulhas. Naquele clima, caminhar pelas ruas adquiria caráter de tortura chinesa. O que não deixava de ser apropriado, já que eu estava em Chinatown. Para dar um tempo no sofrimento, entrei numa farmácia de manipulação famosa no bairro. O estabelecimento chama-se “Lin Sister Herbs”, e fica em 4, Bowery, na Chathan Square. Ali, há quase um século, fazem-se as alquimias que servem de remédios para a população imigrante do local. A julgar pelo aglomerado de fregueses, as terapias funcionam. Pelo menos para seres humanos. As amostras nas prateleiras, porém, indicam que o mesmo não ocorre para animais variados. Muitos deles estão sendo extintos, já que fazem parte importante da lista de ingredientes das receitas.

Minha xeretice nos armários e mesas da farmácia chamou a atenção de um velhinho que estava sentado ao pé da porta. Ele ofereceu ajuda, e eu disse que estava apenas peruando e tentando saber para que serviam os produtos. Para minha grata surpresa, aquele senhor – que parecia um centenário instrutor de Kung Fu em filme do Bruce Lee – era um dos donos da empresa. Seu nome é Lin, mas ele não tem irmãs vivas. O “Sister” contido na razão social da casa remonta a uma tradição de dois mil anos, quando um imperador chinês mandou umas monjas procurarem cogumelos mágicos em fins de mundo.

Encarnando o chavão, o ancião foi de “uma paciência chinesa” comigo. Explicou os poderes de diversos produtos. Por exemplo: atestou a eficácia do escroto de tigres no tratamento de impotência masculina. A parte anatômica do bichano é ressecada e transformada em pó, que deve ser dissolvido num chá de gingseng e cogumelos amarelos (estes, a ciência ocidental comprovou que incrementam a circulação sanguínea). Note-se que existe em vigor uma lei que proíbe a venda de testículos de animais em extinção. O tigre, afinal, está na lista dos ameaçados, devido à procura da pele e de suas intimidades. Sugeri que uma boa dose de Viagra traria o mesmo resultado. Ao que o mago das manipulações respondeu: “Viagra faz mal para o coração. E antigamente não existia”. Pelo visto, o afrodisíaco caseiro é tiro e queda (ao pé da letra para os tigres). Afinal, 1,6 bilhões de chineses passam atestado de exuberante fertilidade.

E não é apenas um tigrão de bom tamanho que provoca assanhamento nas partes baixas. O dr. Lin mostrou um pó feito de chifre de rinoceronte, capaz de rivalizar o escroto felino. A protuberância na cara do mamífero encouraçado também se presta ao combate de pressão baixa e parece que é santo remédio para males intestinais, quando misturado ao chá coado da planta Shi Hu. Pode ser verdade. Afinal, nunca vi rinoceronte com diarreia.

Saí da loja deprimido, apesar de a chuva ter parado. Fiquei imaginando se no inferno não existe um setor especial onde tigres e rinocerontes são destacados para castrar e decapitar farmacêuticos chineses para fazer chás. O fornecedor das partes se recupera em pouco tempo, e o ritual é repetido eternamente. Pobre dr. Lin! Vai ver que é por isso que o cara é tão velho. Não quer morrer e cumprir a pena.


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