Sabe o High Line, aquele jardim suspenso no Meat Packing District de Manhattan? Aquele que é um sucesso de público e passeio turístico obrigatório? Pois é, está cheio de baratas mutantes por lá. Parece coisa de filme japonês classe B, com béstias malévolas invadindo cidades. O monstrinho – que na verdade não é tão pequeno, tem mais ou menos do tamanho de um canivete suíço – chama-se, apropriadamente: Periplaneta Japonica. Tem super poderes: resiste ao frio com galhardia. Não tem nevasca, geada ou chuva de granizo que mate a desgraçada.
Agora não falta mais nada em termos de baratas nessa cidade. Isso aqui é o paraíso da Blattaria. Nunca ví coisa igual, e olha que morei perto da Rua Barata Ribeiro quando era moleque. Cálculos aproximados dão conta de que existem 100 bilhões de baratas para cada habitante de Nova York. Isso sem contar as imigrantes ilegais- como é o caso da Japonica.
Morei num apartamento na Horatio Street, no West Village onde havia uma vizinha que era hoarder (aquela gente que vai juntando compulsoriamente tranqueiras em casa). O quarto e sala onde ela vivia era a DisneyWorld da baratada. A mulher tinha um cachoro poodle que, apavorado, fugia a toda oportunidade e ia arranhar a porta de nosso apê. Queria entrar e escapar do bullying dos insetos. A gente deixava o pobre animal entrar, já que em nosso espaço só tinha o resclado daquelas que não conseguiram ingresso no outro lado.
Já na Spring Street, por onde passei curta temporada num apartamento onde a banheira era na cozinha e logo de cara para a porta de entrada, as baratas entravam nos nossos ouvidos. Digo “nossos ouvidos” porque dividí o pardieiro com aquele que um dia seria meu padrinho de casamento. O recinto contava com a maior coleção de exemplares do jornal The Village Voice. Garanto que faltavam poucos exemplares desde a fundação da publicação em outubro de 1955, até aqueles princípios dos anos 1980. Só eram suplantados em número pelas baratas. Estas eram intlectuais boêmias, típicas do bairro na época. Vestiam gola olímpica (goleiro, para os cariocas) e boinas. Ficavam lá, fumando, discutindo filmes do Godard, teorias de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Não havia nada que as matasse: acabaram por nos expulsar da área. Não suportavamos mais suas críticas epistemológicas.
Porém nunca ví barata que aguentasse a neve. As japonicas não estão nem aí para o frio. Pergunto-me – pedindo perdão pelo trocadilho – se esses bichos usam japonas. De todo modo, pode haver certa vantagem para os humanos nesse imbroglio. Sim, porque barata é que nem criança do meu tempo: quando está quente elas vão brincar lá fora. No frio correm para casa e ficam enchendo o saco da gente. Claro que hoje em dia a molecada permanece o dia todo hipnotizada frente a uma tela, sem se tocar com as baratas que poderiam encobri-las. Isso, evidentemente, caso os insetos não tivessem nojo de tocar em tais criaturas. Porém as japonicas estão tempo todo ao ar livre e só vêm para casa para comer: igualzinho a adolescentes.
Os cientistas da Rutgers University que revelaram que as novas imigrantes – uma espécie de Pearl Harbor no Hudson – não vão se acasalar com suas primas de outros tipos. É que as baratas que vieram do frio têm as genitálias de machos e fêmeas se encaixam como chaves e fechaduras específicas. Não dá para uma japonica traçar, digamos, uma cascuda: não são compatíveis. Vai ver que a coisa da japonica é atravessada. Sei lá…
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