O presidente Barack Obama indicou a juíza federal Sonia Sotomayor para futura vaga na Suprema Corte dos Estados Unidos. A meritíssima tem enormes possibilidades de ser confirmada pelo Congresso. Trata-se de self-made woman, filha de imigrantes porto-riquenhos, que veio bem lá de baixo. Aliás, continuou na baixa área, já que ocupa a Corte do Bronx. Só quem trabalha naquela zona – como a pobrezinha da minha mulher – sabe como a barra é pesada naquelas freguesias. E a boa gente de Porto Rico já foi o fundo do tacho do caldeirão americano. Tenho um amigo que quando viajava para a ilha do Caribe, dizia que estava indo visitar as calotas de seus carros. Como se o roubo de autopeças estivesse monopolizado pelos parentes de Sotomayor.
Agora essa história acabou. Para começo de conversa, carro hoje raramente tem calotas. Quando alguém parte para o furto, leva logo a roda toda. Além disso, os porto-riquenhos subiram na hierarquia social de Nova York. Ao ponto de, numa nova versão do musical, West Side Story (de 1957, com melodias do genial maestro Leonard Bernstein, e livro de Arthur Laurents) estar fazendo sucesso na Broadway atualmente. Esta nova produção, aliás, inova: todos os personagens porto-riquenhos falam e cantam em espanhol. O público não entende bulhufas, mas apenas uns poucos saem resmungando e pedindo versão monoglota. Antigamente iam para as ruas na zona de Times Square, mortos de medo de toparem com um imaginário porto-riquenho brandindo um canivete de mola, num assalto.
Ouça a canção “Siento Hermosa” (“I Feel Pretty”), da versão hispânica de West Side Story:
Mas a escada social americana parece nunca ficar sem um degrau baixo. Quem ocupa essa posição atualmente, bem perto do chão nova-iorquino, são os equatorianos. Meu conhecido teria de ir a Quito para rever as rodas de cromo de seu carro. E o West Side, de Manhattan, está cheio de gente fina, com restaurantes de luxo onde os patrícios do presidente Rafael Correa só entram pelas portas dos fundos para lavar pratos, ou, no máximo, ajudar na cozinha. Moram no Queens, onde seus próprios comedouros servem a iguaria nacional suprema: o porquinho da índia, frito ao ponto de esturricar (é tal a exposição ao fogo, que se alguém colocar a pressão certa no bicho, acabará transformando-o em diamante. Imagine, uma cobaia de brilhante). Essa preferência gastronômica é encarada pela classe média americana como crime muito mais grave do que o furto de calotas, ou um assalto à mão canivetada. Afinal, a criatura que está pururuca na mesa também costuma ocupar gaiolinhas de ouro nos quartos dos kids abonados, sendo tratados como bebês reais.
Vira e mexe aparece um equatoriano surrado e morto por gangues de racistas nos bairros mais distantes. Da última vez que me lembro, foram dois irmãos que andavam de mãos dadas na volta para o cortiço no Brooklyn. Tomaram a surra por serem, imaginariamente, gays, e principalmente nativos subtropicais. Dona Sonia Sotomayor já viu e talvez tenha passado por situações tão revoltantes. Ela sabe que o equatoriano é o porto-riquenho da vez. E depois deles virão outros. Moderada, a juíza deverá dar tom mais humano a uma Corte cheia de alienígenas. Ou alguém duvida que o “Supremo” Antonin Scalia (aquele que em 2000 deu a eleição ao Bush quando Al Gore foi tungado) veio de Marte?
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