Vão em frente! Saiam pelas ruas, dançando, cantando e bebendo! Aproveitem o carnaval! Nesse calor que provoca o desnudar das carnes e frenesi erótico de assustar até macacos. Enquanto isso, estarei aqui em Nova York, com neve até o pescoço e rezando à Deus para virar girafa (parafraseando o Kid Morangueira). Já estamos, na Gotham de 2014, na quinta colocação da lista dos invernos com maior acúmulo de cristais de gelo na História. E tem tanto inverno pela frente que, aposto, chegaremos numa das três posições de um pódio glacial.
Lembro que minha gélida carcaça estava aqui no ano campeão (1996) e vice (2010) nessa competição macabra. O Carnaval de 1996 passei desenterrando o carro de minha mulher – aquela santa que mora lá em casa. Foram 28 escavações que por pouco não me levaram ao infarto. Já em 2010, salvei um índio de morrer de hipotermia em plena Times Square e, depois, na Park Avenue. Ele, cinegrafista da Rede Record, nascido no Pará e exportado para o Hemisfério Norte, acabara de chegar e estava totalmente despreparado para explorações polares na grande cidade. Quase virou “estátua do nativo brasileiro desconhecido”, até que a primavera o descongelasse. Hoje, já de volta ao calor do Rio, aposto que ele está brincando no Bloco Cacique de Ramos.
Enquanto eu, picolé de brasileiro, empunho pá e picareta para desenterrar veículos automotores. Nada de samba para mim. No máximo vou dar umas piruetas no gelo das ruas, num arremedo daqueles caras em Sochi. E o pior é que nem tenho aquelas fantasias cheias de pedrarias e lantejoulas. Ainda que, pensando bem, não me pegariam nem morto vestindo um macacãozinho de lycra. Especialmente a 14ᵒ negativos. Seguirei fantasiado de Sir John Franklin, o explorador inglês que se perdeu no Polo Norte em 1845. Com ele estavam 128 companheiros. Alguns serviram como prato de resistência (em mais de um sentido) aos famélicos extraviados. De minha parte, porém, sei: não vou comer ninguém nesse carnaval. Estou de dieta.
Num passado remoto, mais precisamente em 1976, fui pela primeira vez pular carnaval na Bahia. Cometi um erro de principiante: levei uma namorada. Mas isso foi corrigido logo na sexta-feira, abertura da folia: perdi a moça atrás do trio elétrico. Ela sumiu nos braços de outra garota, com quem começou um longo namoro. Fui então buscar consolo em outros braços – vário deles – que encontrei no trajeto Barra-Ondina, o popular circuito Dodô, e no circuito Osmar (Campo Grande-Avenida Sete). Esse último, claro, para honrar o nome.
Foram vários dias passados à cerveja, pinga com pitanga, e acarajés cada vez mais quentes (que era para curar o porre). Não tinha nada dessa história de comprar o abadá. Era tudo de graça e o folião ia atrás do trio elétrico que estivesse mais animado. Uma época quando se comia, bebia e sambava e não se pagava. Depois do chamado tríduo momesco – que, diga-se, durou mais do que três dias -, nos trancamos num apartamento de Ondina, tentando lutar contra uma ressaca paralisante. A amiga Virgínia e eu. A fotógrafa Virgínia, que Deus levou tão impiedosamente.
Tenho agora, congelada no peito, apenas a lembrança dela e do carnaval. É só gelo. E eu, que nem posso mais tomar uísque.
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