Literatura pelo telefone

O New York Times Book Review informa que os cinco livros de maior sucesso no Japão foram escritos e são lidos exclusivamente em telefones celulares. Ou seja: os autores gastaram horas movimentando seus polegares nas teclinhas minúsculas dos aparelhos. Os resultados foram romances de acesso gratuito em telas do tamanho de um selo postal. Leve-se em conta que as obras estão grafadas em caracteres japoneses, que se contam aos bilhões.

A primeira conclusão sobre esse espantoso fenômeno é a de que reduzirá a frangalhos os polegares dos escribas, e os olhos dos leitores rumam à cegueira. São boas notícias para ortopedistas e oculistas. Mas é péssima novidade para profissionais da literatura. Quem irá comprar um livro, quando tem romance de graça no celular?

É claro que alguém, como eu, preferirá a obra impressa. Acho que o livro é o melhor gadget inventado pela humanidade. Além disso, sou completamente iletrado nas escritas text-message. Não envio nem recebo mensagens codificadas. Sou da época em que só espiões de filmes tipo B faziam isso. Meses atrás, minha filha tentou me convencer a aprender o novo idioma. Mostrou um texto recebido naquele momento. Confesso que se ali estivesse a dica do maior furo de reportagem, desde que Moisés entrevistou Deus, este repórter comeria barriga. Para mim, aquela ortografia é grego. E estou convencido de que temos agora o maior atentado contra as palavras, desde o advento do Código Morse.

Como será uma literatura cuja frase chave é “U R My BFF” (tradução: You are my best friend forever – Você é meu melhor amigo para sempre)? Parece enredo de jogo da forca. Imagine um título que pode ser confundido com o derrame de sopa de letrinhas. Prefiro as histórias dos antigos egípcios ou maias que, pelo menos, sabiam desenhar bem. Estamos, é claro, no limiar da destruição de dez mil anos de civilização ocidental. E a oriental que se cuide, pois também já subiu no telhado.

Gente como eu, que ganha a vida escrevendo à moda antiga, vai ter de procurar outros meios de sobrevivência. Se é que viver valerá a pena, num mundo cuja literatura é o equivalente a uma subestenografia. E nem adianta aprender esse novo idioma. Os autores de livros, como se disse, não ganham dinheiro com as obras. De minha parte, sempre achei que de graça não se deve sequer escrever obscenidades em portas de banheiros públicos.

A moda dos romances de celulares ainda não chegou aqui nos Estados Unidos – nem no Brasil, imagino. Mas é só questão de tempo para começarem a macaquear. Mesmo que, por intervenção da fúria divina, o gênero não emplaque como no Japão, a vaca literária já foi para o brejo. Trata-se de flagelo maior do que o cometido pelos turcos, que usaram a biblioteca de Alexandria como combustível para sauna. Mas esses, pelo menos, não detonaram a escrita. Depois da invenção do text-message, ninguém mais quer ler qualquer coisa que seja maior do que o enunciado de um provérbio de biscoito da sorte de restaurante chinês. A esses jovens turcos, vai aqui a minha mensagem: “Fck U”.


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