Minhas aventuras caninas

Minha cachorrinha só faz as necessidades na rua. São quatro vezes por dia que saio, com farto estoque de sacos de plástico para recolher o produto. Faça sol ou neve, frio ou calor, o bicho só não põe as patas na calçada se estiver chovendo. Nesse caso, segura como pode a vontade. Gosta, porém, de nevasca. Quando venta gelado, como em dezembro, com frio de 10 graus negativos, é com ela mesma. Vamos em périplos quilométricos, guerreando contra as forças da natureza. Sempre rumo norte: à calota polar.

Nestes tempos de neve brava me sinto participante da Iditarod – aquela corrida pelo Pólo Norte com trenós puxados por cachorros. No meu caso, claro, é a Idiotarod. Vamos em velocidade negociando o território congelado e traiçoeiro. Parece não haver lugar ideal que sirva de banheiro. O bicho é muito particular nesse assunto. Enquanto isso, vai me dominando a hipotermia. Tenho pavor de que a ventania jogue uma pedrinha, uma folha que seja, ao pé do ouvido. A orelha trincará como um cristal. Aí sim vai ficar completo: surdo do lado esquerdo e sem orelha.

Mas é o nariz quem mais sofre. Eu o tenho como uma cenoura num boneco de neve. Protuberante, ele vai servindo de fura vento. Ao final de cada jornada está negro, insensível, prestes a cair. É preciso muito cuidado para reanimá-lo. Nada de esfregar, ou pior: fogar água morna naquela massa disforme. Costumo deixar a temperatura ambiente do salão de meu prédio iniciar os trabalhos. Seguem-se compressas delicadamente colocadas no local. Somente depois uso água quente. As ameaças de amputação, mais cedo ou mais tarde, vão acabar me transformando num arremedo do Mr. Potato Head – aquele boneco feito de batata, onde a molecada coloca e retira olhos, nariz, orelhas, lábios. Já me recomendaram vestir uma máscara. Sim! Tampando a cara, com esta napa de árabe, vou ganhar viagem a Cuba: Guantánamo ainda não fechou. Só assim conseguiria me livrar das peregrinações noturnas.

Estou vendo que essas desventuras ainda vão acabar como a do explorador Sir John Franklin, que em 1845 pereceu em horrorosa expedição ao Pólo Norte. Os restos do pobre aventureiro e seus homens foram encontrados somente em 1859. Eram evidentes os sinais de canibalismo em alguns cadáveres. Digo à cachorrinha que em caso de emergência, ela terminará em meu estômago, e não ao contrário. Mas de pouco adiantam as ameaças. A béstia segue rumo norte. Um dia destes terminaremos em Wasilla, no Alasca. Lá mora a governadora Sarah Palin. A cadela (a minha, entenda-se) teimará por fazer sujeira no jardim da casa dos Palin. E naquela família, até o bebê atira bem.

Sarah, quando era candidata à vice-presidência pelos republicanos, gabava-se de saber destrinchar um alce em pleno campo aberto, usando apenas uma faca e as próprias mãos. Assim, se um dia me encontrarem eviscerado em meio às tundras, pode contar que a culpa é da cadela.


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