Nova York é uma selva

Dizem que Nova York é perigosa. Nunca acreditei nisso, mesmo nos tempos em que até as baratas andavam armadas. E, depois, quando o xerife Giuliani baixou as medidas draconianas de sua cartilha administrativa, a urbe ficou ainda mais inofensiva. Mas agora, começo a mudar de opinião. No ano passado, por exemplo, um guarda-costas do prefeito Mike Bloomberg foi esfaqueado por um doido no metrô. Note-se, que o alvo não era o pequenino alcaide, mas sim o segurança. O agressor diria na delegacia, que não tinha ido com a cara da vítima. Imagine ser obrigado a socorrer seu protetor, como fez o chefinho da cidade. Mas não são os humanos que me preocupam recentemente. É a fauna que transformou isso aqui numa selva.

No verão passado, por exemplo, fomos invadidos por animais fedorentos. E não me refiro a políticos republicanos. Ficamos mergulhados até os joelhos em gambás. Sabe aquele bichinho simpático, negro e com uma lista branca que vai do focinho até a cauda? Aquele que parece tão mimoso nos desenhos animados? É, esqueça! Este só existe no imaginário doentil daquela camarilha de Hollywood. Os verdadeiros deldefídios são elementos bem mais nocivos. Para começo de conversa, não soltam seu aroma nauseabundo apenas quando sob ataque. Podem estar tranquilos, revirando lixo ou procurando companhia sexual e, mesmo assim, exalam a catinga. De madrugada, eu deitado na cama, no sétimo andar de um prédio, com as janelas fechadas, sentia o bodum que vinha da rua. Quer me enganar que alguém estava as três da matina enchendo o saco de uma bestia destas? Não! Os encrenqueiros empesteavam o ambiente por mera pirraça. E que ninguém vá reclamar, pois as feras mordem.

Em meados do outono, os inoportunos gambás sumiram. Acho que hibernam durante o inverno. Foram imediatamente substituídos por exércitos de quatis. Outro animal enganador, que parece fofinho no cinema. Na vida real, são ladrões mascarados, capazes de escalar prédios pelas paredes externas, quando não conseguem se meter em buracos que dão acesso aos interiores. E, também mordem o que veem pela frente. Com o agravante de estarem contaminados com cólera. Imagine morar num lugar populado por quatis raivosos. Parece coisa de filme de zumbis. A situação chegou a tal ponto, que até os ratos – habitantes tradicionais da cidade, e por questão de justiça numérica, aqueles que deveriam ter o direito de eleger o prefeito – começaram a migrar. Acho que foram para Washington, sentem-se em casa, perto do Congresso. As baratas, por serem mais pobres, partiram para Baltimore. Alguns bilhões delas continuam sofrendo por aqui, mas têm planos de mudar em breve.

Para complicar ainda mais o ecossistema nova-iorquino, os coiotes perderam totalmente o respeito e também tomaram as ruas. Estão comendo gatos e cachorros, até de médio porte, que dão moleza nos quintais. Um senhor octogenário, viu seu poodle sendo cobiçado por uma destas béstias, mas agiu rápido: sentou a lanterna de mão no quengo do voraz atrevido. Livrou o rabo do cachorrinho e deu uma lição de civilidade ao canino selvagem. Fico pensando no risco que o pequeno Bloomberg está correndo com a sua mania de andar de metrô. Qualquer dia desses o prefeito vira almoço.

Mas não para aí a folia do bestiário. As águias carecas – que se imaginava em extinção – desceram em peso nas barrancas do Rio Hudson. Não pense que o nome “careca” é evocativo de aparência, pois os pássaros gigantes não apresentam calvície, mas sim uma cabeleira abastada e branca. Têm, assim, a pinta do ator Walmor Chagas envergando smoking, e capaz de voar. Não seriam mal-vindas, não fosse pelo fato de também atacarem cães, gatos e até crianças na praia.

No verão passado, um moleque de três anos, numa praia de Nova Jersey, quase foi carregado por um desses predadores. Salvou-o a obesidade mórbida, típica da garotada local. O bicho não teve forças para voar muito alto com tanto peso. Um sujeito parrudo acabou por puxar o gordo petiz das garras afiadas.
Quando não é isso, são os pombos. Esses, ainda que também com gordura excessiva – visto que são superalimentados por velhinhas malucas -, foram transformados em repasto fácil para as águias. Estaria tudo bem, não fosse o fato de que o bichão vai comendo a presa ainda durante o voo. O resultado é que a gente está caminhando pela rua, desviando de gambás e quatis, quando de repente cai uma asa ou carcaça de pombo nas nossas cabeças.

O que falta agora? Invasão de sapos e gafanhotos? Chuva de fogo e morte do primeiro filho varão? Acho que vou seguir as baratas e mudar para Baltimore. Washington, sabe-se, está empesteada de políticos.


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