Segunda-feira brava, 10 horas da manhã, estou caminhando rapídamente pela Nona Avenida, em Hell´s Kitchen (altura da Rua 34). De repente, a multidão, como num filme classe B, começa a olhar para o céu. Alguns apontam para o alto. Será um pássaro? O Super-Homem? Não, é um avião! Voando baixo, muito baixo. Numa cidade como Nova York, aeronaves grandes, em baixa altitude, trazem más lembranças. É como falar de corda em casa de enforcado. Resmungo aos meus botões – como se eles tivessem ouvidos: “Pronto, lá vou eu cobrir o déjà vu!”. Os serviços de emergência, a esta altura, já estavam congestionados, com ligações de gente em pânico. Até o prefeito e o comissário de polícia saíram como galinhas sem cabeça. Era o 11 de setembro redivivo.
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Será o Benedito ou o avião dele?, como a gente dizia no Brasil no fim dos anos 1950. Aqui, claro, não era Benedito nenhum. O bichão, branco com faixa azul na parte de cima, fazia piruetas entre Nova Jersey e Manhattan. E para espanto da plateia aterrorizada, dois caças F-16 chegaram para acompanhar o balé. Tinha nego gritando: “Derruba em cima de Nova Jersey!”, e “Aqui não! Aqui não! Vão lá para Newark!”. Era uma aflição danada. Gente passando mal, uns cretinos tweeting, caras correndo para o subterrâneo do metrô, uma confusão dos diabos.

Mas aos poucos as rádios foram dando a notícia de que o enorme jato era o reserva do Air Force One – o avião presidencial – dando umas voltas sobre o porto de Nova York, para ser fotografado pelo pessoal da Força Aérea. Queriam imagens do Air Force One para propaganda e escalaram o sósia. Só que esqueceram de avisar a população, o prefeito, os chefes de polícia e bombeiros, e a turma de jersianos do outro lado do Rio Hudson.

O prefeito Michael Bloomberg, em meio a uma crise sanitária, com a febre suína chegando a Nova York, tinha agora outro susto. E olha que ele já está com os nervos em frangalhos, já que deve ser um dos primeiros na lista de contágio da gripe do porco. Ao tomar conhecimento de que as manobras do falso Air Force One eram só firulas, mas mantidas secretas até para as autoridades locais, Bloomberg ligou para a Casa Branca para descer a língua no residente e usuário do aeroplano.

De minha parte, resolví tomar uma cana para baixar a adrenalina. Fui ao Harry’s, na Nona Avenida com a Rua 28 (não confundir com o Harry’s New York Bar que é em Paris, ou o Harry’s original que é em Veneza). Lá um dos Bills me serviu a stiff drink: um Wild Turkey 101 (ou como o Hélio e eu chamávamos: “um turco selvagem”). No Harry’s o mundo parou nos anos 1970. As pessoas que o frequentam até se vestem como se estivessem em 1973. Atrás do balcão tem sempre um Bill. É que todos os barmen realmente se chamam William, e portanto são Bill. O ambiente foi me acalmando, fui voltando ao tempo em que esta cidade tinha perigos mais terrenos e corriqueiros. Fiquei até a troca de guarda dos Bills, quando o da tarde é substituído pelo da noite.

Lá fora, a cidade estava tensa como corda de violino. Não podia sequer respirar profundamente, no alívio de não estar novamente sob ataque de aviões-mísseis. Afinal, a peste suína está no ar e quer fazer porcaria. Valha-nos, Sir Francis Bacon!


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