O bode como xerife da horta

Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, foi contratado como assessor de segurança das Olimpíadas de 2016 no Rio. Agora vai! Vocês vão ver o que é bom. Dizem que o novo comandante da ordem pública carioca gostou daquilo que viu. Deve ter adorado o fato de que policiais enchem de porrada e matam impunemente na Cidade Maravilhosa, como no resto do País, sem provocar muita ira na população. Uma impunidade vem a calhar no esquema Rudy. Aqui, ele tinha de peitar líderes comunitários, defensores das liberdades individuais, advogados de viúvas, pais, filhos, irmãos e amigos das vítimas de seus esquadrões. Ainda por cima, havia aquele detalhe chato da Constituição com as emendas dos Direitos Civis. Com essas aporrinhações fora do baralho, o novo consigliere olímpico vai poder implantar sua visão muito mais à vontade.
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Passei pelo reinado do xerife nova-iorquino, e posso testemunhar: seus métodos são, digamos, tiro e queda. Como verificou o imigrante africano Amadou Diallo, 23, quando serviu de alvo para 41 disparos, em 1999. Na artilharia, estavam policiais à paisana, que acertaram apenas 19 vezes. O abatido, na porta de casa, ousou enfiar a mão no bolso para sacar perigosos documentos de identidade. Houve gritaria da população, mas os agentes da lei foram absolvidos de culpa. Mesmo assim, teve toda aquela aporrinhação de julgamento, dos pobres servidores públicos. A coisa teria ficado por aí, se não fossem novos incidentes, como a morte de Patrick Dorismound, no ano 2000, em circunstâncias semelhantes. Mas aquilo também deu em nada.

Nem todos os suspeitos viravam peneira. O imigrante haitiano Abner Louima se deu bem. Em termos. Ele foi preso para averiguação, em 1997, na saída de uma boate no Brooklyn. De lá até a cela da delegacia, foi tomando porradas. Levaram-no a um banheiro, ainda debaixo de pau, e o sodomizaram com o cabo de um desentupidor de privadas. O estrago provocado foi tamanho, que não teve jeito: tiveram de carregar a vítima de estupro a um hospital. Louima sobreviveu, entrou com uma ação contra a cidade e foi aquinhoado com US$ 10 milhões, em compensação por seu sofrimento. Hoje, vive na Flórida, desfrutando a condição de milionário. Afinal, o slogan da corporação NYPD é: “Cortesia, profissionalismo e respeito”.

Os cariocas, porém, não devem se preocupar: as cortes brasileiras jamais dariam tal “bufunfa” para alguém que levou um desentupidor no posterior. Aconselho, porém, que os habitantes do Rio não sigam na prática de pegar um bronze na praia. É que, note-se, a tonalidade da epiderme de um sujeito pode, no manual de Giuliani, acarretar suspeitas. Quanto mais parda a figura do elemento, maior será a desconfiança de que alguma ele fez. Não é preciso dizer que os três exemplos acima tinham um pezinho, ou os dois, na África. Mas os chamados morenos, também provocam levantar de sobrancelhas nas hostes do comandante Rudy.

Os brancos, essa minoria racial no Brasil, não têm muito a temer. Só precisam cumprir algumas regras básicas. Do contrário, também se estrepam. Quem não for educadinho pega cana. Um sujeito estará tranquilamente urinando no chão e, quando der por si, o piso onde faz suas necessidades será aquele de uma cela superlotada. É bom reservar uns, sei lá trocentos bilhões de Reais para construir novas cadeias. Sim, porque só com os flanelinhas, presos em flagrante, a população carcerária se equiparará numericamente à do Leblon.

Mas os policiais, com certeza, também não terão moleza. Os ditames de Giuliani prescrevem duplas de meganhas batendo calçadas. É o tal policiamento comunitário, no qual os guardas acompanham o dia a dia da população de áreas predestinadas para sua rota cotidiana. Em Nova York, a coisa funciona sem esforços exagerados, pois a topografia do local é majoritariamente plana. Mas no Rio, a tropa vai ter de andar pelas vielas de favelas. Todos os dias. E dá-lhe subir morro. É Santa Marta, Complexo do Alemão, Pavão e Pavãozinho, Rocinha e Mangueira. Haja coturnos. Como se dizia aqui durante o reinado do imperador Rudy: “It’s Giuliani time”. Colocaram o bode como xerife da horta.


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