A abertura da Assembleia Geral da ONU, que ocorre todo mês de setembro em Nova York, é sempre um circo. Mas, em 2009, chegou-se a paroxismos. O ponto alto da função, claro, foi o líder líbio coronel Muammar al-Gaddafi. O homem levou a analogia circense ao pé da letra. Dias antes de sua chegada aos Estados Unidos, mandou que montassem uma tenda no quintal da residência da Missão da Líbia junto às Nações Unidas. O terreno é no bucólico município de Englewood, em New Jersey. A primeira pergunta que se fez foi: “Por que alguém iria voluntariamente acampar em New Jersey?”. A resposta é óbvia: o cara é maluco. Afinal, o Estado serviu de cenário para o seriado Sopranos e é considerado território da máfia. Mas mesmo com vizinhança para lá de suspeita, o campista das arábias fracassou em seus intentos. Uma comissão de moradores locais obrigou a prefeitura a interditar a obra. Chutaram o pau da barraca.
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Depois de breve polêmica, Gaddafi levantou acampamento. Ele é louco, mas nem tanto. Seu contingente de guarda-costas, composto de 40 virgens, não é páreo para os soldados da famiglia Columbo que domina a região. Mas a coisa não iria ficar nisso. À socapa, o coronel ordenou que fincassem as amarras de sua cabana em Bedford, subúrbio endinheirado de Nova York. O terreno, neste caso, pertence a Donald Trump. Fazia sentido – erguer o circo no quintal de um palhaço. Mas a Secretaria de Diversões Públicas, pressionada por uma multidão irada, embargou a obra. Foi dito que, àquela altura, uma tribo de beduínos já estava instalada debaixo daquilo que Trump tem sobre a cabeça e que ele chama de cabelo.
O próprio Trump, em mais uma tirada humorística, alegou que não sabia de nada sobre a chegada do circo em seu quintal. Como se ele houvesse acordado numa bela manhã e notado o surgimento de uma baita lona, elefantes, camelos e uma mulher barbada, vestida de odalisca, em seu jardim. Os telefones das organizações Trump não pararam de tocar. O respeitado público temia que suas filhas fugissem com trapezistas, os filhos embarcassem em carreiras de homem-bala, ou que Gaddafi tentasse novamente seu famoso truque do “jumbo em chamas”. Cancelaram o espetáculo prontamente.
Restou ao despejado apresentação única na tribuna da Assembleia da ONU. Mas que performance! Fez um discurso tão longo quanto a peça circense A Paixão de Cristo. Trajando um corbertor marrom – que, pensando bem, parecia muito com a lona de sua barraca – o ditador soltou o verbo. Falou umas 248 horas seguidas, parando ocasionalmente para beber água, pois afinal, ele não é camelo. Colocou para dormir todos os retratos dos ex-secretários-gerais da instituição. Ainda que alguns apontem que a figura de Javier Pérez de Cuéllar sempre pareceu estar prestes a ferrar no sono. Para manter a atenção de uma plateia cada vez mais narcoléptica, Gaddafi, vez por outra, atirava sobre os ombros páginas de seu discurso. Não deu muito resultado depois do primeiro arremesso. Nem que ateasse fogo às vestes, o orador teria provocado a abertura de pálpebras.
No início da apresentação, porém, houve muita especulação sobre trajes, aparência física e postura de Gaddafi. Para começo de conversa, por que um cara que está no poder absoluto há 40 anos, não subiu de posto na hierarquia militar? Ele continua coronel, quando já deveria ter arrebatado há tempos do título de generalíssimo, como é de rigor a ditadores. E o que aconteceu com sua fisionomia? Está na cara, literalmente, que ele injeta botox e colágeno, além de ter passado algumas vezes pelo bisturi. Mas quem foi o responsável por esses procedimentos? O cirurgião plástico do Michael Jackson? Pelo talhe de seus uniformes – um estilo que incorpora elementos do militar e do apresentador de picadeiro – o homem tenta mesmo copiar o finado “Rei do Pop”. O resultado, porém, não foi bem-sucedido. Gaddafi está parecendo mais com um traveco saído da galeria de personagens da capa do álbum Sargent Pepper’s, dos Beatles. Por essas e outras, a abertura da Assembleia da ONU pode ser considerada “O Maior Espetáculo da Terra”.
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