A revista de domingo (15) do New York Times saiu com matéria sobre uma nova ferramenta computadorizada. Chama-se “Augmented Reality” (ou, na tradução aproximada: “Realidade Turbinada”). Trata-se de programa que complementa com informações aquilo que se vê no mundo concreto. Assim, um sujeito aponta a câmera de seu telefone celular para, digamos, o setor de uma rua cheia de restaurantes vizinhos. No visor, o usuário receberá não apenas a imagem que está diante de seu nariz, mas também informações como: menu de um estabelecimento em particular, preços, críticas, decoração, e se alguma pessoa conhecida está lá dentro. Esta última comunicação é supimpa para quem está acompanhado de amante e não quer dar bandeira, ou para o filtro de chatos. Dito assim, a coisa parece boa. Mas, lembre-se, que o reverso também é aplicável: pentelhos e traídos (que geralmente comungam em analogia), também podem usar o serviço.

O pior não é isso. Já existe esboço da criação de um programa que opera de modo mais ou menos semelhante, só que com pessoas. Funcionará assim: aponta-se a câmara do celular para a cara de um incauto e, na telinha, vem uma ficha pregressa do pobre diabo. Digamos que você encontra, por acaso, o senhor Sicrano das Candongas. Ao colocá-lo sobre o escrutínio da Realidade Turbinada saberá sua biografia. “Sicrano das Candongas, 38, nascido em Chapecó Mirim, SP. Formou-se em Contabilidade pela Uruca (Universidade Rural de Caratinga). Funcionário da empresa Conta Certa Ltda. Residente no Conjunto Residencial Vila Proleta, Rua do Fundão, Freguesia do Ó, Capital. Fone (011) 3333-33-33. Frequenta o Bar do Mané, na rua William Speers, Lapa de Baixo, SP. Divorciado, Sicrano é alcoólatra e corno”.

Pasmo, o leitor – como eu – vai se perguntar: “Mas quem dá essa ficha negra como pano de guarda-chuva?”. A resposta é ainda mais perturbadora: o sistema funciona como a enciclopédia eletrônica Wikipédia. Os verbetes serão compostos por internautas. Você pode fazer sua própria ficha. Basta um autorretrato, seguido de texto biográfico. Mas haverá, é claro, aqueles que nem conhecem o esquema. Assim, algum espírito de porco pode fotografar um desafeto e traçar seu perfil. Como no caso do senhor Sicrano das Candongas, que é apontado por aí como bêbado traído e nem sabe disso. Caso venha a tomar conhecimento da fama digital, ele terá oportunidade de editar o verbete. Mas aí, convenhamos, já será tarde demais. Uma vez que essas coisas caem na rede, todo mundo fica sabendo e não volta ao registro. Como no jogo do bicho vale o escrito. Principalmente ao se tratar de cornos.

E não para aí a desfeita. Será possível colocar filminhos e fotos – até as editadas em photoshop – acompanhando um perfil. Assim, o verbete sobre Fulana da Silva, ex-Candongas, pode mostrá-la despida, em várias poses, e em tórridos clips contendo suas aventuras sexuais heterodoxas. Ela, que supostamente instalou os chifres que ornamentam a testa de Sicrano, será descrita como “biscate, que por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema e um botequim, faz diabruras de que até o Butt Men duvida”. Para os tarados incautos será uma mão na roda, para não dizer outra coisa. E para ladrões então, trata-se de um verdadeiro mapa da mina.

É claro que as leis de um país civilizado permitem queixa crime por difamação e calúnia. Mas até se achar o autor da nota, será preciso forçar a operadora do sistema a revelar o endereço eletrônico do língua de trapo, e depois partir para um processo judicial que, mesmo no primeiro mundo, é sempre demorado e caro. Com o que se vê de peçonha mentirosa divulgada por desocupados digitalizados, dá para calcular como será a tal de Realidade Turbinada. Esta maravilha tecnológica estará nas boas casas do ramo no começo de 2010, segundo a Core 77, uma revista virtual sobre design on line. Desse modo, já vou avisando: qualquer texto sobre minha pessoa é mentiroso, mesmo – e principalmente – aqueles que me puxam o saco.


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