Nos Estados Unidos se comemoram 40 anos do festival de música de Woodstock. Felizmente, não foi agendada uma reedição comemorativa do evento. Em outras comemorações em datas redondas, ocorreram fome, peste, guerra e, o que foi pior, baixíssima qualidade musical. Desta vez, achou-se por bem, ficar apenas com tributos literários e cinematográficos. A maioria destes, insistindo que o evento mudou o mundo. Duvido que as coisas tenham se alterado na Bulgária, Romênia ou Butão, em 1969, por causa da performance de John Sebastian. “Quem?”, perguntará o leitor arguto. Os registros históricos apontam que foi um sujeito que tomou um ácido bravo e fez o seguinte discurso: “Eu gostaria de cantar uma canção. Quer dizer, eu gostaria de dedicar para… este carinha, e eu realmente não sei o nome dele, mas me lembro que Chip disse que uh, que uh, a mulher dele teve um bebê…”, e por aí foi, até despontar para o anonimato mundial.

Para ser justo, muita coisa mudou no Brasil depois do festival. O convívio com lamaçais, por exemplo, virou moda. Houve um frenesi de prática do camping por jovens anteriormente acostumados com o carpete da casa dos pais. Multidões de peregrinos saíram pelo país armando barracas em pontos com altos índices pluviométricos. Como em Woodstock – que na verdade aconteceu numa fazenda de gado em Bethel, outro município de Nova York -, chafurdar na lama passou a ser de rigor. Ao ponto de, passados dois dias de acampamento, os jovens entusiastas ficarem parecendo estátuas de barro.

Outra consequência da folia hippie, foi o fenômeno da popularização do miojo – aquele macarrão de preparo instantâneo – que, junto com a cannabis sativa, o LSD e a pinga com limão, virou a dieta exclusiva dos campistas. Surgiu também um certo “som universal”, feito à base de flautas de madeira que produziam composições atonais improvisadas, batuques disrítmicos em pequenos atabaques, e tentativas fracassadas de harmonia em violões faltando cordas. Os cantos lembravam a vocalização de orangotangos sendo esguelados por mãos poderosas. Aqueles que não se atreviam a tocar alguma coisa, enveredavam num arrasta pé, como a dança da galinha degolada.

A atividade econômica desta tribo – além da mesada familiar – era o entorte de arames, imediatamente denominados “artesanato”. Os espíritos mais empresariais tentavam a prática de enfileiramento de miçangas para a formação de colares e pulseiras. Os artistas, diante da enorme dificuldade em vender os frutos de seus esforços, passavam a usar sua produção, dando retoques absurdistas a suas vestimentas. O uniforme desse exército era constituído de: calça jeans, camiseta (geralmente pintada à mão com estamparia dita surrealista), um poncho feito de cobertor, bolsas enormes, e sandálias com sola de pneu (um pioneirismo de reciclagem).

O Woodstock brasileiro – que infelizmente não contava com as presenças de Joe Cocker, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Santana ou qualquer outro participante do festival original – era abrilhantado por qualquer um que tivesse um atabaque, uma flauta, ou um violão de poucas cordas. Substituindo Bethel, tinha-se a meca Arembepe (na Bahia), ou subsidiárias em Canoa Quebrada, Itaparica, ou qualquer lugar onde houvesse chuva torrencial. O importante era criar um clima de paz e amor – sendo “amor” entendido como a prática desenfreada de sexo com múltiplos estranhos. Esse fenômeno de massa durou anos. Para mim, dos 15 aos 20 de idade.

Infelizmente, no Woodstock original, o lema “paz e amor” não foi exatamente seguido à risca, já que o guitarrista Pete Townshend, da banda “The Who”, sentou uma guitarrada no quengo do ativista político Abbie Hoffman, expulsando-o do palco, onde a vítima tentava fazer um discurso. Bons tempos, aqueles…


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