Bowie, um gentleman

Foto: Divulgação
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Em 1990, entrevistei David Bowie por telefone, para o extinto Jornal da Tarde. Eu estava nervoso, como era de se esperar. Não apenas por que ia falar com um ídolo, mas também por que tendia a gaguejar em inglês. O motivo da conversa era sua primeira vinda ao Brasil, para uma série de shows no Rio e em São Paulo. Conversei com ele por uns 40 minutos. Quando fui conferir a gravação, nada. Eu tinha feito alguma bobagem. Recorri às apressadas anotações e à memória ainda quente e tentei reproduzir o mais fielmente possível o que ele tinha falado. No dia seguinte, o jornal nas bancas, recebi uma ligação do agente dele. Fiquei apavorado, achando que ia levar a maior bronca. Mas foi o contrário: era para agradecer e dizer que o Bowie tinha adorado a entrevista!

Eu tinha 24 anos. Dá para imaginar minha empolgação. Mas o melhor ainda estava por vir. Já no Brasil, ele deu uma coletiva. Tímido, me arrisquei a levantar o dedo e fazer uma pergunta. Qual não foi minha surpresa quando ele, ao me ouvir, disse algo como: “Daniel, I’m glad you are here!” Tinha me reconhecido pela voz, inacreditável. Num universo em que as celebridades costumavam exercer indiferença calculada, era como ser abençoado pelo papa – no caso, um papa andrógino, extremamente talentoso e bonito como o demônio.

Depois, ao conversar com ele de perto, pude confirmar o que parecia óbvio: sua inatingível elegância e gentileza. Bowie era um perfeito gentleman. Lembro de ficar meio confuso com a cor discrepante dos olhos e o sorriso enorme, desproporcional em relação ao corpo diminuto. E impressionado com seus conhecimentos de música, arte, arquitetura. Para a MTV, onde fui trabalhar no mesmo ano, ele declarou que era fã de Niemeyer.

Anos depois, acho que no Festival de Reading, na Inglaterra, ou de Roskilde, na Dinamarca, eu e o Fabio Massari cruzamos com ele num gramado. Nos apresentamos como jornalistas da MTV Brasil e ele logo se dispôs a falar para a câmera. Uma boa vontade rara entre artistas do seu patamar. Mas alguém de seu staff o interrompeu e disse que ele não podia dar entrevistas não agendadas. Valeu, assim mesmo.

Ficarei sempre com essas boas impressões. Elas me permitem imaginá-lo em casa com a linda Iman, enfrentando estoicamente a doença que o matou. Ouvindo o jazz que adorava e preparando o disco novo. Despedindo-se da vida com a mesma inquietação e criatividade que o tinha guiado até então.

 

Breves recomendações:

Discos: Hunky Dory, Low, Station to Station, Scary Monsters, Let’s Dance
Filmes: O Homem que Caiu na Terra, Fome de Viver, Merry Christmas, Mr. Lawrence

 


Comentários

2 respostas para “Bowie, um gentleman”

  1. Concordo com você. Vou sentir falta.me tornei fã dele nos últimos anos de sua vida. Uma pena. O mundo chora. Ele está sim mais triste

  2. Avatar de Celia Cristina Araujo
    Celia Cristina Araujo

    Devastada é pouco pra descrever a tristeza de um mundo sem Bowie,chorei,chorei e chorei e minhas filhas disseram,mas mãe não fique assim! Como não ficar?Foi meu ídolo,meu querido,meu amor, minha referência,tantas músicas dançadas, ele maravilhoso no filme Labirinto simplesmente impecável. Bono tem razão, o mundo ficou muito mais triste sem ele.um vazio que NÌNGUEM vai conseguir suprir.

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