Sete grandes escritoras

Durante muito tempo as mulheres não tiveram espaço na literatura. Felizmente isso vem mudando – basta ver que das 14 vencedoras do Nobel, em 112 anos de premiação, oito receberam a láurea de 1991 para cá. Ainda é muito pouco, mas é um sinal de que a percepção feminina do mundo, colocada no papel ou na tela, em todas suas infinitas variações, está despertando uma atenção maior do que em séculos anteriores. Não se está aqui a falar em literatura feminina, é bom frisar. O termo, muito discutido, é reducionista, entre outros motivos por sugerir que se trata de uma ramificação, uma costela do Adão das letras, que imperou desproporcionalmente até aqui.

A seleção a seguir é arbitrária como qualquer seleção, ainda mais quando envolve aspectos subjetivos. Muitas autoras importantes ficaram de fora. Tentei equilibrar o gosto pessoal com a importância de cada uma na transformação das ideias e das próprias formas de narrar, descrever, metaforizar, descobrir, inventar.

Segue então, em ordem alfabética:

Foto: Reprodução/Facebook
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Chimamanda Ngozie Adichie
A jovem escritora nigeriana conquistou público e crítica com romances que falam da guerra (especialmente a de Biafra, que dividiu seu país por três anos), da condição da mulher numa África marcada por violações de todo tipo e da complicada identidade negra. Chimamanda é uma feminista bem humorada que dá atenção às diversas nuances culturais e sociais do combate pela igualdade de gêneros. É autora do influente discurso Sejamos Todos Feministas. Seu livro mais ambicioso e  possivelmente o melhor é  Americanah, em que a personagem central, uma intelectual de Lagos, “descobre” o racismo quando vai aos EUA pela primeira vez. Vale a pena ler também NoViolet Bulawayo, do Zimbábue, e Nadifa Mohamed, da Somália.

 

Reprodução/Claricelispector.com.br
Reprodução/Claricelispector.com.br

Clarice Lispector
Esse é o momento em que ela desponta definitivamente para o mundo. A tradução de seus livros ganha prêmios e/ou atenção especial em vários países. Sua escrita surpreende pela absoluta originalidade e profundidade. Não há nada sequer parecido. Impossível sair incólume de suas histórias. São perturbadoras, poéticas, desconcertantes. E isso a partir de elementos muito simples, do cotidiano. O universo aparentemente banal se expande para lugares inexplorados por suas mãos. Se nunca a leu, experimente Perto do Coração Selvagem ou  A Paixão Segundo G.H. Mas depois não diga que não avisei.

 

Foto: Reprodução/Youtube
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Flannery O’Connor
Das profundezas do sul gótico americano surgiu essa escritora com sensibilidade rara para o que há de mais estranho na natureza humana. Seus contos muitas vezes parecem histórias mansas como a paisagem rural em que são ambientados, mas há sempre neles sempre uma tensão sutil, que vai se intensificando até um desenlace que pode ser extremamente violento como em “Um Homem Bom é Difícil de Encontrar” ou de aguda violência psicológica, como em “O Gerânio”. Se algum desavisado ainda achava que as mulheres só eram aptas a escrever histórias de amor e disputas sociais, como Jane Austen e Edith Wharton (que também poderiam estar nessa seleção), O’Connor mudou radicalmente essa percepção. Como tudo o que ela escreveu é excelente, vá de Contos Completos.

 

Foto: Reprodução/Facebook
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Hilda Hilst
Talvez a mais ousada escritora brasileira, decidiu partir para a pornografia quando viu que seus livros mais “difíceis” não ganhavam a devida atenção, com exceção da crítica especializada. Seu gesto calculadamente irônico deixou muitos de queixo caído, sem saber o que pensar. Claro que ela, escritora erudita, de estilo inventivo, inovador, não poderia compor obras simplesmente vulgares. Daí que saiu-se com o melhor da literatura erótica no Brasil – Dalton Trevisan, Adélia Prado e Nélson Rodrigues à parte. Pode ir fundo, sem medo de ser feliz, na trilogia lúbrica que tem o Caderno Rosa de Lori Lamby, Contos d’Escárnio e Cartas de um Sedutor. É satisfação garantida.

Foto: Reprodução/Paris Match
Foto: Reprodução/Paris Match

Simone de Beauvoir
“Ninguém nasce mulher; torna-se mulher.” A famosa frase da filosofa francesa abriu as portas para o feminismo moderno e até hoje reverbera com força. É ao mesmo tempo diagnóstico e conclamação para a luta. O Segundo Sexo, sua obra mais conhecida, é um texto poderoso, magnífico, não apenas pela amplitude de suas análises, que vão dos aspectos biológicos e psicanalíticos aos políticos, históricos e sexuais, como também pela concreta implicação de suas conclusões. Além de tudo, é escrito com clareza, inteligência, riqueza de estilo e personalidade tais, que o marido, Jean-Paul Sartre, deve ter invejado, secretamente.

 

Foto: Divulgação
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Svetlana Alexievich
O Nobel que ela recebeu este ano surpreendeu muita gente. Poucos jornalistas ganharam o prêmio. O caso de Svetlana é ainda mais curioso, pois ela criou o que se poderia chamar de “documentário literário”. Seu talento prodigioso consiste em conversar com as pessoas, centenas delas, ouvi-las com atenção e empatia, e registrar com sensibilidade seus depoimentos para dar conta de um fenômeno histórico, social, político. A costura fluente desses registros dá o contorno da narrativa, com intervenções mínimas da autora. Seu livro mais conhecido é o estarrecedor Vozes de Chernobyl, que acaba de ser lançado no Brasil. Em sua carreira corajosa, que inclui perseguições do governo bielorusso, ela também ouviu combatentes no Afeganistão e  mulheres soviéticas que passaram pelos suplícios da Segunda Guerra.

 

Foto: Divulgação
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Virginia Woolf
Única mulher a constar no estrito cânone modernista, ainda assim Virginia se destaca em meio a Joyce, Proust e Kafka. O chamado fluxo de consciência ganhou, com ela, sua forma mais acabada. Praticamente nada acontece em seus livros, ao menos não no mundo objetivo, palpável; e, no entanto, quanta vida no infinito espaço dos pensamentos, sensações e desejos! Para quem tem a paciência de esperar o ajuste ao tom e estilo de seus romances, a aventura do inconsciente se abre de forma vertiginosa. A impressão, por vezes, é que o segredo do mundo está em suas mãos, tal a capacidade de desvendar as divagações de cada um dos personagens. Rumo ao Farol, nesse sentido, é o livro indicado. Para quem nunca leu Virginia, talvez o melhor é começar com Mrs. Dalloway ou Orlando, um livro inclassificável e, a seu modo, bastante divertido.


Comentários

Uma resposta para “Sete grandes escritoras”

  1. Americanah é incríveeeel! Chimamanda <3

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